“Amai-vos uns aos outros” (João 13,34) é um comando religioso claro e inequívoco, mais conhecido do que os dez mandamentos.
É um mandamento exigente, difícil de cumprir. Se a paz mundial depender da incorporação desse valor, o futuro não será muito otimista.
Estamos nestes 2.000 anos caminhando no sentindo inverso, a cada dia que passa.
Não sou estudioso de religião. Portanto, aceitem esses comentários com as devidas reservas.
Minha singela observação é repetir o que todo administrador constata em sua vida secular: metas muito elevadas acabam tendo um efeito contrário ao que se deseja.
Talvez seja isso o que está acontecendo no mundo cristão, a meta é ambiciosa demais.
Ou, talvez, alguém há 2.000 anos inadvertidamente tenha errado na tradução do hebraico.
Em vez de “Amai-vos uns aos outros”, a tradução correta deveria ter sido “Respeitai-vos uns aos outros”. Um mandamento mais brando, mais fácil, é um bom começo para voos mais altos.
Respeitar as nossas diferenças como seres humanos, nossas culturas, nossas religiões e nossos tiques individuais é bem diferente de amar a cultura, a religião, e os tiques nervosos do próximo. Posso perfeitamente respeitar uma pessoa diferente e estranha, embora nunca pretenda amá-la.
Não vejo como alguém criado com preconceitos possa passar a amar seu concidadão, um salto quântico impossível.
Mas ensinar nossos jovens a pelo menos respeitar o negro, o oriental, o gay é uma meta mais factível do que amá-los.
Nunca ouvi um líder negro exigir ou pedir o amor dos brancos.
O que ouvimos das lideranças negras é um pedido de mais respeito, alguns chegam a exigir “um mínimo de respeito”.
A que ponto chegamos! Por que não tentamos criar uma sociedade em que haja o “máximo” de respeito e deixamos o amor para os jovens apaixonados?
O que ouvimos das lideranças negras é um pedido de mais respeito, alguns chegam a exigir “um mínimo de respeito”.
Teólogos ortodoxos irão argumentar que ser cristão é para quem pode, não para quem quer.
Padrões éticos e religiosos são para ser seguidos e não relaxados, só porque ninguém consegue cumpri-los.
Seria um desastre reduzir o nível ético só para aumentar o número de devotos, algo que muitas religiões estão fazendo. Mas não deixa de ser um desastre a falta generalizada de respeito mútuo que o mundo atravessa hoje.
Um dos empresários mais bem-sucedidos do Brasil, Rolim Amaro, um amigo de quem sinto uma enorme saudade, nasceu extremamente pobre.
Ele me confessou que o pior da pobreza não era a fome, o frio nem as privações materiais.
“O pior é o desrespeito. O desrespeito dos mais ricos, dos funcionários públicos, da classe média arrogante.”
Ninguém é pobre porque quer.
A pobreza já rebaixa muito a autoestima e reforça essa condição de pobreza.
E a última coisa de que um pobre precisa é ter de aturar o desrespeito dos outros.
Trate um pobre com respeito e você estará de imediato aumentando sua autoestima, o que é um início da solução de seus problemas.
Pobres respeitam pessoas bem-sucedidas, como Pelé e Roberto Carlos, que ganharam seu dinheiro honestamente.
A riqueza, na ausência de penúria flagrante, é mais do que aceita pelos pobres, que no fundo almejam a mesma coisa.
Quem não aceita acumular riqueza e poupança para a velhice é intelectual de universidade, que curiosamente tem um salário e aposentadoria integral garantidos.
O Brasil vem sendo governado por oligarquias intolerantes e intelectuais arrogantes que não respeitam nem ouvem a opinião de ninguém.
Não é por acaso que nossa autoestima como nação está lá embaixo e a arrogância dos donos do poder está lá em cima.
Governos que não respeitam a opinião de seus cidadãos acabam com populações que não respeitam seus governos. É o fim da democracia.
Vamos começar o ano com uma meta mais light, menos exigente. Vamos começar respeitando-nos uns aos outros.
Feliz ano novo, com todo o respeito.
Artigo publicado originalmente na Veja.
5 respostas
Metas altas nos forçam a ir mais além do que pensamos poder ir. Se as metas são rebaixadas, faremos menos ainda. Além do mais é apenas uma hipótese levantada o “erro de tradução”, enquanto isso não for comprovado, prefiro crer na perfeição de Deus e buscar a perfeição dos atos, mesmo sabendo que isso não é possível, pois só assim estarei próximo do caminho da retidão.
Parabéns pelo texto, de alta qualidade (como todos os seus). Sou seu fã há muitos anos e leitor de seus livros (e continuarei, mesmo não concordando plenamente, como neste caso).
Você é uma das pessoas que ainda nos faz ter orgulho de sermos brasileiros.
De fato, amar uns aos outros parece uma utopia. Obviamente, o Cristo estava pregando dogmas para um mundo perfeito. Mas o próprio Paulo em suas cartas, já prevendo a dificuldade de cumprir tal mandamento, redesenhou a norma. Na carta aos Efésios, capítulo 4, versículo 2, Paulo diz: “Sede humildes, amáveis, pacientes e suportai-vos uns aos outros no amor”. Em outra tradução, temos: “suportando-vos mutuamente com caridade”. É pesado. Mas padre Leo já ensinava que o termo “suportar” tem muitos significados. Entre eles, servir de suporte. Ser uma base de apoio para que o todo se mantenha de pé. O respeito é isso. É o suporte possível para a nossa sociedade.
Como bancário que fui, sempre contestei metas inatingíveis. É meu pensamento que quando você – como indivíduo, ou o grupo – tem uma satisfação quando atinge uma meta e lhe dá força para ir além. Agora se as metas são de tal forma que sejam impossíveis de atingir, te desanima e deixa o grupo depressivo. É assim, quando se impõem metas infactíveis, o negócio é fazer de conta que vamos lutar para atingir, mas desde já desmotivados, por saber o resultado…Decepção.
Amar a humanidade inteira é impossível. Já o respeito é fundamental. É da condição humana o sofrimento. Diante disto, vejo duas alternativas: agir de modo a aumentar o sofrimento das pessoas, ou agir de modo a evitar mais sofrimento ou, se possível, diminui-lo. O respeito ao próximo diminui o sofrimento dos seres humanos.
Acompanho seus artigos há mais de dez anos. Sempre os considero em meus dialógos com a família e os amigos. Este é mais um daqueles textos que devemos sempre reler para atualizar nossas ações.
Realmente a meta proposta por Jesus é deverás alta, mas não impossível.
Se tivermos em nossas convicções de que o amor proposto por Jesus é justamente o respeito e a atenção para com as pessoas.
Comumente confundimos o amor proposto por Jesus – amor “fileo” -, pelo amor “eros” (ligado a paixões e conotações sexuais).
Outra vertente do amor é o amor “agapé” expressado por Jesus na cruz.
Portanto, o amor fileo que é o proposto por Jesus é muito bem definido pelo Profº. Kanitz como o respeito de uns aos outros.