Muitos escritores, cientistas e formadores de opinião usam e abusam de nossa confiança.
Sutilmente nos enganam para defender os próprios interesses.
É o que em epistemologia chamamos de “a agenda oculta”.
É assustador o número de filmes de Hollywood que têm uma agenda oculta, e como caímos como uns patos acreditando em tudo.
Eu sempre desconfio da agenda oculta de escritores, colunistas e pseudocientistas.
É a primeira coisa que tento adivinhar.
Ele, ou ela, está querendo me dizer exatamente o quê?
Que bronca carrega na vida?
Ele é separado, foi um dia traído, multado, preso ou ludibriado?
Quanto mais velhos ficamos, mais percebemos quanta agenda oculta existe por trás de quase tudo o que é escrito hoje em dia no Brasil e no mundo.
É simplesmente desanimador.
Salman Rushdie, o autor de Versos Satânicos, ao responder recentemente a por que preferia escrever ficção em vez de livros técnicos, afirmou:
“Na ficção pegamos o leitor desprevenido”.
Desprevenido significa sem a vigilância epistêmica necessária para perceber o que o escritor está tentando fazer.
É mais fácil uma feminista radical escrever um livro de ficção em que todos os personagens masculinos são uns calhordas do que escrever um livro de sociologia dizendo que “todo homem é um canalha”, o que resultaria em processo judicial.
Por isso, prefiro sempre artigos que apresentam tabelas, números e outras informações concretas em vez de “ideias”, opiniões e indignações.
É justamente isso que editores de livros no mundo inteiro nos aconselham a evitar, porque senão “ninguém lê”, o que infelizmente é verdade.
Mas é justamente isso que deveria ser lido.
Queremos dados agregados, que são difíceis de arrumar, para nós mesmos fazermos nossas interpretações.
Se houver uma equação complicada, melhor ainda, porque equações nos revelam regras, relações entre variáveis e tendências.
É a isso que se chama ciência.
A opinião dos outros sobre um fato isolado é conversa mera e efêmera.
Infelizmente, somos uma nação que idolatra quem faz parte da Academia de Letras, aqueles bons de papo, que escrevem bem, e não aqueles que pesquisam bem ou calculam com rigor científico.
Ignoramos solenemente os que fazem parte de nossa Academia Brasileira de Ciências, que descobrem a essência do que ocorre na prática, as causas de seus efeitos, os que usam o método científico de análise.
O último acadêmico de ciências nem sequer foi noticiado pela imprensa brasileira.
“Imortais” no Brasil são aqueles bons de bico, que nos seduzem com belas frases e palavras, por isso somos um país do “me engana que eu gosto“.
Nosso descaso com ciência, estatísticas, equações, dados, números, análise científica é a causa de nosso atraso. Porque não nos preocupamos com ciência, viramos o país da mentira.
Muito do que se escreve, até em livros de filosofia, vem, na realidade, de pessoas justificando sua vida, seus erros e suas limitações.
Elas têm uma agenda oculta que cabe a você descobrir.
Quando alguém sai propondo maiores gastos em educação, sempre indago se não é mais um professor querendo maiores salários, pagos por impostos, “impostos” à sociedade.
Notem como 95% desses artigos pedem verbas, vinculações de verbas e mais verbas, e nenhum discute quais as novas matérias que seriam ensinadas.
Omitem invariavelmente o fato de que hoje, nas universidades, algo em torno de 50% dos alunos nem terminam o curso – e por volta de 50% dos que terminam não exercem a profissão.
Esse é um problema resolvido com mais verbas ou com uma urgente reforma no conteúdo educacional?
Desconfio sempre de quem não oferece seu e-mail ou site num artigo ou livro publicado.
É como se dissesse: “Já sei tudo“. Prefiro ler quem o oferece e lê as mensagens, sugerindo que é um humilde cientista que quer saber se escreveu algo errado, para corrigir o que foi escrito.
Se não mudarmos nossa mentalidade, se não nos preocuparmos em detectar a agenda oculta de todos aqueles que nos pregam alguma coisa, pagaremos caro pela nossa falta de vigilância epistêmica.
Seremos sempre presas fáceis dos que falam bonito e escrevem melhor ainda.
Revista Veja, Editora Abril, edição 2032, ano 40, nº 43, 31 de outubro de 2007, página 26
22 respostas
Seguindo o conselho do autor, verifiquei a a agenda oculta dele é o anti-feminismo.
O que ele ganharia com isso? Sempre me parece que uma agenda oculta pressupõe um ganho. Mas, pode ser o que os psicólogos chamam de “ganho secundário”.
E a agenda das feministas nem oculta é mais. Antes ainda colava o papo furado de “direitos iguais”. Hoje já está escancarado que esse movimento quer é supremacia feminina mesmo. O objetivo é destruir as relações entre homens e mulheres, e acirrar cada vez mais a “guerra dos sexos”, que nada mais é que uma das espécies de luta de classes.
Mais um bom artigo, parabéns.
Infelizmente, isso me parece uma tendência, criada pela preguiça das pessoas em pensar. Preferem as informações “Mastigadas”, a longo prazo pagarão um alto preço.
Isso mesmo Rodolfo. Exceto nos livros técnicos(nem todos), todo autor carrega um pouco de suas mágoas e de seus prazeres em seu texto, o que acho, de certa forma, normal. Salientando que isso pode ser até mesmo algo inconsciente. O Problema maior está nos leitores que têm preguiça de questionar, de duvidar, de buscar uma segunda fonte de informação. Como você mesmo citou, querem informações “mastigadas”, opiniões prontas, para apresentá-las como próprias.
Um exemplo claro foi citado pelo próprio Prof. Kanitz em seu artigo “Analise o erro e não erre mais”, onde o deputado João Mellão disse “O
doutor Jatene, por sua biografia e reputação, emprestou credibilidade
ao imposto do cheque e como consequência o Congresso o aprovou”.
Isso dá à mídia poder para manipular a massa, ocultando ou passando informações erradas(Quem se dará ao trabalho de certificar?), seja por ignorância, seja por má fé.
Enquanto a população não parar para refletir, continuaremos tendo cientistas esquecidos e “formadores de opinião” famosos.
Discordo em parte. Com certeza, temos que estar em guarda contra as “agendas ocultas” dos formadores de opinião-e mesmo contra seus erros não intencionais-, pois, como o senhor ensinou em outro artigo, quem tem que pensar por nós somos nós mesmos.
“Ele é separado, foi um dia traído, multado, preso ou ludibriado”
Ou será que ele é religioso- e defenderia as virtudes “práticas” do sacramento do matrimônio mesmo que se pudesse provar que ele é ruim para a economia, para a longevidade, para a educação das crianças, etc.-, vive a trair, lucra com a indústria da multa, etc. Enfim, praticamente qualquer ideia pode ser atribuída a uma “agenda oculta”, a interesses mesquinhos, ideologia, coisas do gênero.
Quer impostos mais baixos? Não quer contribuir para o progresso do Brasil e para o combate aos males sociais. É contra as cotas? Só pode ser por ser racista. É a favor? Ou quer se beneficiar diretamente ou está sendo populista para poder manipular negros, índios, etc. Contra uma cota para mulheres no Parlamento? Só pode ser para oprimi-las. Contra a instalação de um regime como o cubano? Só pode ser um lacaio da Burguesia que não se comove com o sofrimento dos excluídos. E por aí vai. Parece-me mais o caminho para uma paranoia permanente em detrimento da análise dos argumentos apresentados.
“Queremos dados agregados, que são difíceis de arrumar, para nós mesmos fazermos nossas interpretações.”
A própria escolha dos dados já pode estar a serviço de uma agenda oculta (e, estando desprevenido, o leitor pode não perceber que os dados fornecidos não são tão relevantes quanto alguns deixados de fora).
Mestre Kanitz ,
A questão apresentada pelo Thiago deve ser realmente levada em consideração, desde de quando os dados agragregados são exatos ? qual a confiabilidade dos dados ? no mundo inteiro existe manipulação dos numeros, desde balanços contábeis de “S/A´s” , dados economicos informado por países, como balanças comerciais, reserva de commodities, entre outros ……
devemos continuar sempre nos perguntando e pesquisando … independente da fonte.
É como disse alguém (não lembro quem…) sobre um adversário:
“Ele usa a estatística como um bêbado usa um poste de luz: para se apoiar e não para se iluminar”.
Isso explica a razão de gostarmos de atitudes tipo: “me engana que eu gosto”.
É a tendência de informar somente o que interessa. Mesmo com dados de estatística manipulados. Creio que a única maneira de reduzirmos, porque anulamos é impossível, é nos informarmos cada vez mais, conhecendo todos os ângulos do assunto apresentado.
Por isso que não há interesse na educação. Me dê uma bolsa família e ficarei satisfeito.
Brilhante!É isto mesmo.Aos seus argumentos acrescentaria que também os “awards” de marketing vão para os que “previamente” pagaram mais para receber os premios. Parece que só o Premio Nobel e’que paga!
Caro Kanitz, sei que o propósito de seu texto não é tratar da questão do salário dos professores, mas talvez inadvertidamente, ou, por meio de sua “agenda oculta”, você pisou no centro nevrálgico da educação brasileira. Há uma linha de pensamento que pensa que sim, o aumento dos salários tem o efeito inversamente proporcional de diminuição do tamanho dessa bola de neve. Isso ocorreria porque o simples aumento do salário, sem quaisquer outras discussões sobre currículo, por exemplo, iria atrair pessoas mais bem qualificadas para a profissão. Ou seja, ser professor seria atraente e competitivo. Não quero de modo algum insinuar que os profissionais de hoje não são bons, mas o ponto que quero focar é o de que mudanças de qualquer outro tipo desacompanhadas de recompensas, metas, prêmios e outros tipos de incentivo, serão inócuas. Então, que tal seria começar pelo salário? Uma mudança isolada como esta teria o efeito de valorização da profissão, e consequentemente haveria mais empenho em propostas ativas de reforma. A possibilidade de um emprego com boas perspectivas de carreira, com estímulos à aperfeiçoamentos constantes e com recompensas por metas alcançadas, enfim, tudo de bom que todo profissional projeta para a sua careira; porém com péssimas condições de trabalho, com insegurança, falta de material, etc., não faria as pessoas desistirem da carreira, ao contrário, faria elas “desistirem” o atual modelo falido, pressionando todos os setores da sociedade por melhoras no currículo, resultados em exames internacionais de avaliação, aproximação entre o ensino da escola e o da universidade, etc. Por fim, o salário deveria ser a pedra fundamental para mudar o estado atual de desânimo perante esta categoria, as mudanças viriam consequentemente.
Parabéns pelo texto.
Inté.
Mas, pelo que li, o Prof. Kanitz não é contra maiores salários para os professores, e sim contra a famosa frase “maiores gastos com educação”, que, quase nunca, vão para os professores, e sim para obras inúteis(quando são feitas de verdade). Se as obras fossem feitas de verdade(e quando nescessárias), as licitações fossem bem feitas, e a fiscalização fosse melhor, poderíamos investir melhor esse “excedente” em melhores salários e equipamentos de ponta para as escolas.
Quanto custaria pagar um salário “médio” de cinco mil reais aos 2 milhões de professores do Brasil?
5000x13x2000000 = 130 Bilhões de Reais, por baixo. Quem pagaria?
A agenda oculta do Sr. Kanitz, neste artigo, se revela nesta frase:
“Quando alguém sai propondo maiores gastos em educação, sempre indago se não é mais um professor querendo maiores salários, pagos por impostos, “impostos” à sociedade.”
Ou seja, o Sr.Kanitz é favorável ao ensino pago de qualidade…
Pura verdade.
Critério – Ela vem do Grego KRITERION, “regra para distinguir o verdadeiro do falso, padrão”, de KRINEIN, “separar”.
Fonte: http://origemdapalavra.com.br/pergunta/criterio/
Professor, ao ler o seu artigo, flagrei-me indagando: e qual seria a sua agenda oculta, já que o artigo em tela possui ‘”ideias’, opiniões e indignações”.
Há algum tempo já, cunhei uma frase de efeito para as discussões sobre ‘coisas’ que não funcionam. O estopim foi uma discussão sobre as tentativas (vãs) de resolver o problema da ‘coagulação’ do trânsito na cidade de São Paulo.
A frase é: “Não funciona porque não foi feito para funcionar”.
Com isso, quero dizer que, normalmente, existe solução, se alguém decidir pensar a respeito e, principalmente, FAZER o que for necessário.
O que acontece, no entanto, é que os problemas não são analisados para encontrar soluções, mas para encontrar maneiras de serem aproveitados como ‘desculpas’ para criar vantagens.
As soluções até que funcionam… mas não para resolver os problemas!
Formidável !!… Vou compartilhar na minha página.
Pessoal, parabéns, fiquei orgulhoso destas discussões, valeu. Minha agenda oculta infelizmente não é mais oculta, e talvez tenha sido um erro não mais oculta lá. Vocês sabem qual é. Obrigado por pensarem.
Não sei porque na época correta não opinei mas quero dizer que a definição e conceituação de agenda oculta é ótima. Ocorre que ela existe há muito tempo também na vida privada em especial nas empresas organizadas . Todo chefe tende a ter sua agenda oculta , em especial se o sistema de gestão é o famoso anglo-saxônico-pragmático-ortodoxo que impera com o manda quem pode e obecedece quem tem juízo . Daí agenda oculta permear inspirações literárias ou mesmo trabalhos chamados científicos como a maioria das teses e publicações da FFLCH ou das turmas de Sociologia e política etc…
Sim a leitura das eventuais agendas ocultas , em qualquer lugar e em qualquer cenário é fundamental para eventualmente você fazer a diferença de forma transparente e para benefício do grupo social onde estiver , inclusive na empresa onde você trabalha !