Hoje nossos alunos são proibidos de observar o mundo, trancafiados que ficam numa sala de aula, estrategicamente colocada bem longe do dia-a-dia e da realidade.
Nossas escolas nos obrigam a estudar mais os livros de antigamente do que a realidade que nos cerca.
Observar, para muitos professores, significa ler o que os grandes intelectuais do passado observaram – gente como Rousseau, Platão ou Keynes.
Só que esses grandes pensadores seriam os primeiros a dizer “esqueçam tudo o que escrevi”, se estivessem vivos.
Na época não existia internet nem computadores, o mundo era totalmente diferente.
Eles ficariam chocados se soubessem que nossos alunos são impedidos de observar o mundo que os cerca e obrigados a ler teoria escrita 200 ou 2.000 anos atrás – o que leva os jovens de hoje a se sentir alienados, confusos e sem respostas coerentes para explicar a realidade.
Não que eu seja contra livros, muito pelo contrário.
Sou a favor de observar primeiro, ler depois.
Os livros, se forem bons, confirmarão o que você já suspeitava.
Ou colocarão tudo em ordem, de forma esclarecedora.
Existem livros antigos maravilhosos, com fatos que não podem ser esquecidos, mas precisam ser dosados com o aprendizado da observação.
Ensinar a observar deveria ser a tarefa número 1 da educação.
Quase metade das grandes descobertas científicas surgiu não da lógica, do raciocínio ou do uso de teoria, mas da simples observação, auxiliada talvez por novos instrumentos, como o telescópio, o microscópio, o tomógrafo, ou pelo uso de novos algoritmos matemáticos.
Se você tem dificuldade de raciocínio, talvez seja porque não aprendeu a observar direito, e seu problema nada tem a ver com sua cabeça.
Ensinar a observar não é fácil.
Primeiro você precisa eliminar os preconceitos, ou pré-conceitos, que são a carga de atitudes e visões incorretas que alguns nos ensinam e nos impedem de enxergar o verdadeiro mundo.
Há tanta coisa que é escrita hoje simplesmente para defender os interesses do autor ou grupo que dissemina essa ideia, o que é assustador. Se você quer ter uma visão independente, aprenda correndo a observar você mesmo.
Sou formado em contabilidade e administração.
A contabilidade me ensinou a observar primeiro e opinar (muito) depois.
Ensinou-me o rigor da observação, da necessidade de dados corretamente contabilizados, e também a medir resultados, a recusar achismos e opiniões pessoais.
Aprendi ainda estatística e probabilidade, o método científico de chegar a conclusões, e finalmente que nunca teremos certeza de nada. Mas aprendi muito tarde, tudo isso me deveria ter sido ensinado bem antes da faculdade.
Se eu fosse ministro da Educação, criaria um curso obrigatório de técnicas de observação, quanto mais cedo na escala educacional, melhor.
Incentivaria os alunos a estudar menos e a observar mais, e de forma correta. Um curso que apresentasse várias técnicas e treinasse os alunos a observar o mundo de diversas formas. O curso teria diariamente exercícios de observação, como:
1. Pegue uma cadeira de rodas, vá à escola com ela por uma semana e sinta como é a vida de um deficiente físico no Brasil.
2. Coloque uma venda nos olhos e vivencie o mundo como os cegos o vivenciam.
3. Escolha um vereador qualquer e observe o que ele faz ao longo de uma semana de trabalho. Observe quanto ele ganha por tudo o que faz ou não faz.
Quantas vezes não participamos de uma reunião e alguém diz “vamos parar de discutir”, no sentido de pensar e tentar “ver” o problema de outro ângulo?
Quantas vezes a gente simplesmente não “enxerga” a questão?
Se você realmente quiser ter ideias novas, ser criativo, ser inovador e ter uma opinião independente, aprimore primeiro os seus sentidos. Você estará no caminho certo para começar a pensar.
Revista Veja, 4 de agosto de 2004, página 18
3 respostas
Apesar dos problemas de formatação nesta primeira versão do post, gostei demais do tema e do texto. Não pude deixar de me lembrar da primeira aula do Robin Williams em “A Sociedade dos Poetas Mortos”, na qual ele pede que os alunos subam na mesa para “ver as coisas de outro ângulo, do alto”.
Quanto às três ótimas sugestões dadas, gostaria de apontar que pelo menos as duas primeiras já são aplicadas em um lugar: o curso de Educação Física da Unesp de Rio Claro (mesmo campus onde fiz Geologia). É comum vermos por lá os alunos andando de cadeira de rodas, vendados, com tapa-ouvidos. Sem dúvidas, uma experiência muito interessante e que poderia ser expandida, sei lá, através de mini-cursos de cidadania… Um cursinho assim, inclusive, permitiria também a aplicação da terceira sugestão. Afinal, não há como ser cidadão sem conhecer, ao menos, a esfera local da representatividade, o funcionamento da Câmara de Vereadores e o papel que eles, supostamente, devem exercer.
Tabu, por Ichiro Miyauchi
– estando só, nao associar-se
– associando-se, nao debater
– debatendo, nao concluir
– concluindo, nao implantar
– implantando, nao fazer auto-analise.
Esse é um dos melhores artigos que já li na minha vida.
É o retrato da educação no Brasil que trata os alunos com alienados e incapazes de pensar.
Obrigado Professor Kanitz por essa preciosidade.