Em 1982, o jornalista Emilio Matsumoto me ofereceu a Seção Investimentos da Veja, que estava caindo no índice de leitura abaixo de 2%.
Menos de 2% dos leitores a liam e a seção ameaçava ser cortada.
No desespero ofereceram para mim e topei.
Porque queria testar uma nova forma de organização jornalística, baseada em um novo princípio.
A fórmula anterior naquela época toda redação era vista como uma grande equipe, cujo objetivo era conjuntamente aumentar o índice de leitura da revista como um todo.
Isto era feito de duas formas:
1. Matérias de Capa sensacionalistas, dossiês, escândalos políticos, manchetes sensacionalistas, etc, determinados e escritos pelo Editor com a anuência do dono.
2. Promoções de 50% do Departamento de Assinaturas, que inviabilizavam a rentabilidade da assinatura pelos primeiros dois anos dos assinantes, no mínimo.
Eu achava que ambos estes métodos eram um tiro no pé.
Manchetes sensacionalistas e dossiês ao longo prazo afastariam o leitor, como de fato está ocorrendo.
E criam um ar de animosidade e ódio que hoje a Veja convive devido a esta política.
Ela deve ter perdido metade de seus leitores fiéis nestes últimos 10 anos, anos de enorme crescimento da população universitária, principal leitor.
Há 10 anos Veja não cresce, quando deveria ter dobrado.
Meu modelo que tentei implantar era um tanto diferente.
Tentei implantar um sistema em que cada jornalista fosse responsável em aumentar a leitura da sua Seção a sua maneira.
Valorizando o jornalista individual, achava que a Revista Veja ganharia como um todo, pois um jornalista estaria puxando leitores para os outros.
Por isso, como condição da minha ida a Veja exigi que a minha coluna fosse assinada, com foto, algo não praticado na Veja para os jornalistas da redação.
Toparam a princípio e assim consegui ser a primeira coluna assinada propriamente dita da Veja.
Não consegui a foto, implantada somente 10 anos depois.
Minha primeira providência foi conversar com Roberto Guzzo, o editor chefe, para saber qual era o perfil do leitor de Veja para quem eu estaria escrevendo.
“Classe média, ascendente e liberal”.
Liberal de profissional liberal, que são a maioria da classe média.
Isto explica a linha editorial tão criticada da Veja, de neoliberal, mas tem uma razão econômica por trás, e fazia sentido.
A classe média é a que mais valoriza informação, produtos de marca, e são os que mais investem e mais repercutem o que leem.
E era uma classe totalmente abandonada no Brasil.
O grande erro estratégico, foi não perceber que boa parte de nossa classe média não é liberal, e sim de funcionários públicos, professores, advogados que não são tão liberais assim e querem um estado forte como forma de sobrevivência.
Veja foi perdendo este público ao longo dos anos, e se tornando cada vez de extrema direita. Uma pena.
Mas esta definição para mim era insuficiente para caracterizar o dia a dia de um leitor e pedi ao meu amigo Orlando Marques, do Depto. Comercial, o perfil do leitor no intuito de adequar os futuros textos.
A primeira descoberta foi que 50% dos leitores de Veja eram mulheres, e só isto já explicava os baixos índices de leitura da coluna de Investimentos.
Ela vinha recheada com frases “o investidor deve tomar cuidado”, excluindo de imediato pelo menos metade dos leitores.
Comecei a colocar matérias sobre “Seu marido tem seguro?”, e só essa mudança aumentou o índice de leitura da seção de 2% para 12%.
Outro dado que descobri, era que 50% dos leitores eram jovens abaixo de 25 anos, sem dinheiro para investir.
Esta informação gerou várias colunas do tipo, “Investindo na Profissão”, “Vale a Pena Estudar Fora”, que aumentou o índice de leitura para 20%.
Por essas e outras, o índice de leitura foi subindo para 25%, quando a matéria de Capa normalmente chegava a 35% em média.
Era uma das seções mais lidas, um aumento de 1000% em menos de um ano.
Foi quando meus problemas começaram. E desisti.
A seção voltou aos 2% de leitura e acabou sendo eliminada.
Dez anos depois voltei a ser convidado como colunista de Veja, por Tales Alvarenga, desta vez com foto e tudo, com a mesma preocupação com o leitor feminino e jovem.
Como todos os meus followers já sabem.
11 respostas
História muito interessante.
Sempre lia seus textos logo quando pegava a revista. Eram realmente feitos para os jovens.
Conte mais histórias sobre esses bastidores!
Márcio.
Eu tb, comecei a ler quando tinha 15 anos!
Esperava de 4 em 4 semanas para a sua coluna aparecer!
Bruno
Veja não cresce em virtude de que nesses últimos 10 anos aumentaram o número de paginas de propaganda e diminuíram a de matérias.
Não quero assinar propaganda, aliás já estou enojado de tanto ver propaganda de automóveis e bancos.
Assinei veja por anos a fio, mais desisti, agora com a internet a qualidade dos blog são insuperáveis…
portanto Adeus Veja, quanto ao seu blog só tenho a aplaudir pela qualidade e discernimento.
leio você desde aquela época…
Bom dia, a sua coluna é uma das poucas que vale a pena ler na veja, a revista perdeu a linha editorial. Não leio a veja, mas continuo lendo a sua coluna.
Tenho 44 anos e comecei a ler a veja no começo da década de 80. Era ótima, maravilhosa, bem escrita.
Já faz uns vinte anos que me recuso a ler, pois ela virou isso o que é hoje. Triste.
Quando chega a revista em casa e a matéria de capa é “Luciano Hulk & Angélica”, faço 3 perguntas:
1 – Será que devo renovar a assinatura da revista no próximo vencimento ?
2 – Será que não tem nada mais importante acontecendo no Brasil ou no mundo do que este casal ?
3 – Será que Veja aceita matéria promocional paga disfarçada ou, em bom portugues, o famoso “jabacule” ?
Também parei de ler a Veja, mas ainda leio sua coluna no blog.
Marcio Hermens
Muito bom, mas creio que quis dizer que foi um crescimento do 1000%.
Veja tem perdido ótimos colaboradores ou diminuído sua participação, e colocado outros que nada acrescentam.
André Pettry não tem mais a sua página, só faz reportagens a partir de Nova York. Diogo Mainardi agora é só uma vez por mês. Roberto Guzzo também parou. Cláudio de Moura e Castro cedeu espaço para Lya Luft que, aliás, nem leio.
E essas mudanças todas coincidem com alterações na sucessão familiar. Por que será?
Li a Veja dos 11 aos 23 anos. Parei há 4 anos.