Damos notas a hotéis, a videogames e a tipos de café.
Mas faz sentido dar notas a seres humanos como fazem as escolas e nossas universidades?
Ninguém dá a Beethoven ou à Quinta Sinfonia uma nota como 6.8, por exemplo.
O que significa dar uma “nota” a um ser humano?
Que naquele momento da prova, ele sabia x% de tudo o que os professores gostariam que ele soubesse da matéria.
Mas saber “algo” significa alguma coisa hoje em dia?
Significa que você criará “algo” no futuro?
Que você será capaz de resolver os inúmeros problemas que terá na vida?
Que será capaz de resolver os problemas desta nação?
É possível medir a capacidade criativa de um aluno?
Quantos alunos tiraram nota zero justamente porque foram criativos ou criativos demais?
Por isso, não damos notas a Beethoven nem a Picasso, não há como medir criatividade.
Muitos vão argumentar que o problema é somente aperfeiçoar e melhorar o sistema de notas, que obviamente não é perfeito e as suas falhas precisam ser corrigidas.
Mas e se, em vez disso, abolíssemos o conceito de notas?
Na vida real, ninguém nos dará notas a cada prova ou semestre.
Você só perceberá que não está sendo promovido, que as pessoas não retornam mais seus telefonemas ou que você não está mais agradando.
Aliás, saber se você está agradando ou não é justamente uma competência que todo mundo deveria aprender para poder ter um mínimo de desconfiômetro. Ou seja, deveríamos ensinar a autoavaliação. Com os alunos se autoavaliando, dar notas seria contraproducente.
Não ensinamos a técnica de autoavaliação, tanto é que inúmeros profissionais não estão agradando nem um pouco como professores e, mesmo assim, se acham no direito de dar notas a um aluno.
O sistema de “dar” notas está tão enraizado no nosso sistema educacional que nem percebemos mais suas nefastas consequências.
Muitos alunos estudam para tirar boas “notas”, não para aprender o que é importante na vida.
Depois de formados, entram em depressão pois não entendem por que não arrumam um emprego apesar de terem tido excelentes “notas” na faculdade.
Foram enganados e induzidos a pensar que o objetivo da educação é passar de ano, tirar nota 5 ou 7, o mínimo necessário.
Ninguém estuda mais pelo amor ao estudo, mas pelas cenouras que colocamos na sua frente.
Ou seja, as “notas” de fim de ano. Educamos pelo método da pressão e punição.
Quando adultos, esses jovens continuarão no mesmo padrão.
Só trabalharão pelo salário, não pela profissão.
Se o seu filho não quer estudar, não o force.
Simplesmente corte a mesada e o obrigue a trabalhar.
Ele logo descobrirá que só sabe ser menino de recados.
Depois de dois anos no batente ele terá uma enorme vontade de estudar.
Não para obter notas boas, mas para ter uma boa profissão.
Robert M. Pirsig, o autor do livro Zen e a Arte da Manutenção de Motocicletas, testou essa ideia em sala de aula e, para sua surpresa, os alunos que mais reclamaram foram aqueles da turma do fundão.
São os piores alunos que querem notas e provas de fim de ano. Os melhores alunos já sabem que passaram de ano.
Muitos nem se dão ao trabalho de buscar o diploma.
Sem notas, os piores alunos seriam obrigados a estudar, não poderiam mais colar nas provas e se autoenganar.
Provas não provam nada, o desempenho futuro na vida é que é o teste final.
Imaginem um sistema geral de autoavaliação em que os alunos não mais estudariam para as provas, mas estudariam para ser úteis na vida.
Imaginem um sistema educacional em que a maioria dos alunos não esqueceria tudo o que aprendeu no 1º ano, mas, pelo contrário, se lembraria de tudo o que é necessário para sempre.
Criaríamos um sistema educacional em que o aluno descobriria que não é o professor que tem de dar notas, é o próprio aluno.
Todo mês, todo dia, todo semestre, pelo resto de sua vida.
Publicado na Revista Veja, edição 1955, ano 39, nº 18, 10 de maio de 2006