Por uma Sociedade Justa e Eficiente

No primeiro ano de faculdade aprendi um truque que muito me auxiliou na hora de obter notas melhores.

Descobri que, numa prova na qual cai um tema que você não estudou, que o pegou de surpresa, sobre um assunto de que você não sabe absolutamente nada, o melhor é não entregá-la em branco, que seria a coisa mais lógica e correta a fazer.

Nessas horas, escreva sempre alguma coisa, preencha o papel com abobrinhas, pois quanto maior o número de páginas, melhor.

Isso porque existem dois tipos de professor no Brasil: um deles é formado pelos que corrigem de acordo com o que é certo e errado.

São geralmente professores de engenharia, produção, direito, matemática, recursos humanos e administração.

Escrever que dois mais dois podem ser três ou doze, dependendo “da interpretação lógica do seu contexto histórico desconstruído das forças inerentes”, não comove esse tipo de professor.

Ele dá nota dependendo do resultado, e fim de papo.

Mas, para a minha alegria, e agora também a sua, existe outro tipo de professor, mais humano e mais socialmente engajado, que dá nota segundo o critério de esforço despendido pelo aluno e não apenas pelo resultado.

Se você escreveu dez páginas e disse coisas interessantes, mesmo que não pertinentes ao tema, ficou as duas horas da prova até o fim, mostrou esforço, ganhará uns pontinhos, digamos uma nota 3 ou até um 3,5.

O que pode ser a sua salvação.

Na próxima prova você só precisará tirar um 6,5 para compensar, e não uma impossível nota 10.

Se você estudar um mínimo e usar esse truque, vai tirar um 5.

Uma vez formados, os alunos desse tipo de professor são muito fáceis de identificar.

Seus textos são permeados de abobrinhas e mais abobrinhas, cheios de platitudes e chavões.

Defendem que a renda deve ser distribuída pelo esforço, e não pelo resultado, e que toda criança que compete deve ganhar uma medalha.

Defendem que todo professor de universidade deve ganhar o mesmo salário, independentemente da qualidade das aulas, e que a solução para a educação é mais e mais verbas do governo, sem nenhuma avaliação de desempenho.

Esses dois tipos de professor obviamente não se bicam.

É a famosa briga da turma da filosofia contra a turma da engenharia.

São as duas grandes visões políticas do mundo, é a diferença entre administração pública e privada.

O que é mais justo, remunerar pelo esforço de cada um ou pelos resultados alcançados?

O que é mais correto, remunerar pela obediência e cumprimento de horário ou pelas realizações efetivas com que cada um contribuiu para a sociedade?

Como o Brasil ainda não resolveu essa questão, não podemos discutir o próximo passo, que são as injustiças da opção feita.

É justo só remunerar pelo resultado?

É justo remunerar somente pelo esforço?

Podemos até escolher um meio-termo, mas qual será a ênfase que daremos na educação dos nossos filhos e na avaliação de nossos trabalhadores? Ao esforço ou ao resultado?

Quem tentou ser útil à sociedade mas fracassou teria direito a uma “renda mínima”?

É justo dar 3,5 àqueles cujo esforço foi justamente enganar seus professores e o “sistema”?

Não seria justo dar-lhes um sonoro zero?

Precisamos optar por uma sociedade justa ou uma sociedade eficiente, ou podemos ter ambas?

Como aluno, eu tive de me esforçar muito mais para as provas daqueles professores carrascos, que avaliavam resultados, do que para as provas dos professores mais bonzinhos.

Quero agradecer publicamente aos professores “carrascos” pela postura ética que adotaram, apesar das nossas amargas críticas na época.

Agora entendo por que tantos de nossos cientistas e professores pertencem à Academia de Letras, por que somos o último país do mundo em termos de patentes, por que tantos brasileiros recebem sem contribuir absolutamente nada para a sociedade e por que nossos políticos falam e falam e não realizam nada.

Que sociedade é mais justa, aquela que valoriza as boas intenções e o esforço ou aquela que valoriza os resultados?

Uma boa pergunta para começar a discutir no retorno às aulas.

 

Revista Veja, Editora Abril, edição 2073, ano 41, nº 32, 13 de agosto de 2008, página 28

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