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VEJA — O que mais terá de mudar no Brasil?

KANITZ — O modelo industrial brasileiro tem de mudar. Atualmente, a indústria está voltada para produzir para os 10% mais ricos, enquanto os 90% restantes consomem quase nada.

É um enorme mercado potencial, à espera da oportunidade de melhorar a renda e compra: produtos mais baratos.

A política de substituição de importações acabou, e os ricos voltarão a importar como faziam quarenta anos atrás.

Restará para a indústria nacional esse grande mercado inexplorado até agora.

Os mercados de baixa renda serão os mais promissores e de maior crescimento no mundo inteiro.

Produtos populares serão produzidos não porque são politicamente corretos, mas porque serão extremamente rentáveis.

VEJA — Como se pode aproveitar melhor as oportunidades geradas pelo crescimento econômico?

KANITZ — Há uma infinidade delas por aí, como o Mercosul, os mercados de baixa renda, os mercados regionais.

0 importante é tentar prever qual vai ser o próximo jogo mundial. O que será jogado no ano 2000.

Um exemplo: o Nordeste tem um futuro extremamente promissor no mercado de turismo de longa duração, em que aparecem como clientes os velhinhos aposentados de Nova York, de alto poder aquisitivo, que andam à procura de um lugar ensolarado para passar os três meses de inverno.

Esse turismo dá dinheiro, e o Nordeste tem tudo para abocanhar esse mercado. Só que esse tipo de negócio exige mais profissionalismo que o turismo sexual dos operários alemães que passam uma semana no Recife.

VEJA — O que pode dar errado nesse cenário que o senhor prevê para o Brasil nos próximos anos?

KANITZ — O Brasil vai ter de escolher que jogo quer jogar no ano 2000.

Se quiser competir na mesma faixa industrial da China e da Índia, no setor de sapatos, têxtil, pode dar com os burros n’água.

Isso já vem ocorrendo em alguns setores, em que eles estão provocando estragos nas nossas exportações.

Ou o Brasil se prepara para andar um pouquinho na frente desses países ou vai ter um problema sério de competição no futuro.

VEJA— O que fazer, então?

KANITZ — Eu acho que esses países estão mais atrasados que a gente. Se o Brasil crescer junto, tudo bem. Teremos sempre alguma dianteira tecnológica e o nosso próprio espaço no mercado mundial.

É possível até que a própria China se transforme num enorme mercado para os produtos brasileiros, menos sofisticados que os americanos, europeus e japoneses, porém mais elaborados que os próprios chineses. O importante é não perder o passo da História.

VEJA, 12 DE OUTUBRO, 1994

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Comentários

2 respostas

  1. Era óbvio em 94 como é (ainda mais) óbvio agora. Mas o problema agora é menos substituição de importações do que renda da população contra inflação de custos de produção. Aliada ao controle econômico do
    mercado interno via exportação.E até de não excedentes
    e serviços ( veja a noticia:
    Folha: Tecnologia 4G será para a alta renda, afirmam operadoras http://folha.com/no1103877 via @folha_com )

  2. O Brasil é um grande país, pena que a espécie que lá habita é limitada.
    Estimulamos o consumo e dinamitamos a produção, compramos camisas de algodão egípcio, mesmo sendo o Brasil um grande produtor de algodão, achamos bonito um presidente (agora ex) semi-analfabeto, pois assim nos sentimos próximos , analfabetos que também somos, em vez de procurar evoluir a um patamar mais alto.
    Meu pai me ensinou: somos todos iguais, mas alguns são mais iguais que os outros.

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