Os Próximos 30 Anos

brasil

(Escrito na Veja em 2003, mas continua válido até hoje)

Imagine-se técnico da seleção da economia brasileira.

O Brasil está perdendo o jogo da globalização por 4 a zero.

Você se reúne com seus assistentes para analisar as opções.

A primeira opção é mandar todo o time para o ataque. Isso significa incentivar a indústria brasileira a adotar programas de qualidade e produtividade, apoiar as exportações, investir em tecnologia e aumentar a competitividade.

É o que nossos governos têm feito desde 1950, sem muito sucesso.

Outra opção seria criar uma enorme confusão no meio-de-campo, provocar a expulsão de adversários como multinacionais, globalistas, a ONU e o FMI e anular a partida, já que as regras foram inventadas por eles e não nós.

Essas são basicamente as únicas opções discutidas pela maioria dos especialistas e partidos políticos.

Existe ainda uma terceira opção, pouco analisada, que parte da percepção de que temos perdido a maioria dos jogos econômicos porque ficamos o tempo todo tentando entender ou então mudar as regras.

Quando finalmente aprendemos os truques e os macetes, as regras já mudaram, e os que querem mudá-las nem sabem como.

A verdade é que nunca vamos ganhar jogos com regras escritas por outros.

Jogos econômicos são ganhos muito antes de o time entrar em campo, nos meses de treinamento intensivo, na organização e administração do time.

O Brasil sempre entra em campo anos depois de o jogo ter começado.

Precisamos nos preparar para o próximo jogo internacional.

Precisamos nos preparar para os jogos e as regras que estarão por vir, e até criar nossos jogos com nossas regras.

Tudo isso pode parecer muito óbvio, mas nunca foi feito.

Nossos economistas e intelectuais estão discutindo os problemas econômicos do passado, sem tempo para discutir as tendências do futuro.

Perdemos anos corrigindo o passado, como fizemos na Constituição de 1988, e não discutindo as possibilidades do futuro.

Pior, nossos políticos e nossa imprensa só ouvem aqueles que explicam o presente, e não aqueles que se preocupam com o futuro.

Por definição, o futuro não é notícia, porque ainda não aconteceu.

“Qual será o próximo jogo econômico internacional?” é portanto a pergunta cuja resposta vale ouro.

Infelizmente, não tenho espaço nem competência para me estender convincentemente nesse assunto.

Por isso, vou dar um exemplo dos jogos possíveis, um exemplo didático, não uma proposta concreta.

Um dos jogos que imagino é o turismo da terceira idade de média renda.

O mundo está envelhecendo e, com os progressos da ciência, a população do Primeiro Mundo estará vivendo cada vez mais.

Lugares como Miami, Costa Brava e Lisboa ficarão pequenos para acolher os milhões de velhinhos e velhinhas aposentados dos Estados Unidos e da Europa, que fogem dos rigores de seu inverno.

Se estivermos preparados, eles poderão escolher cidades mais quentes e mais baratas, como Salvador, Fortaleza, Natal e Maceió, cidades com a tradicional hospitalidade brasileira.

Doze milhões de velhinhos com aposentadoria anual média de 80.000 dólares para gastar nos trariam 5 trilhões de reais, bilhões de “exportações” por ano, metade de um PIB.

Mas, para que o Brasil participasse desse jogo, precisaríamos nos preparar desde já.

Em vez de construir estádios de futebol e hotéis de luxo, teríamos de erguer milhares de flat services ao lado.

Em vez dos cassinos que muitos querem criar, teríamos de construir dezenas de campos de golfe, se o MST permitir.

Em vez de boates, precisaríamos de bingos, quadras de bocha e piscinas térmicas, além de resolver nossos problemas de segurança.

Mais importante seria a construção de centros ortopédicos e geriátricos de qualidade internacional, o que nos traria ainda mais divisas.

E aqui, caro leitor, vem o ponto crucial.

Esses investimentos levam tempo para ser feitos.

E, uma vez construído, um hospital cardiológico ou ortopédico leva no mínimo dez anos para ganhar reputação internacional.

Ou seja, já estamos atrasados e podemos perder também esse barco, porque nunca pensamos nos jogos do futuro, somente nos erros do passado.  

Stephen Kanitz é administrador


(www.kanitz.com.br)
  Revista Veja, Editora Abril, edição 1799, ano 36, nº 16 de 23 de abril de 2003

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Comentários

6 respostas

  1. Sem falar na infraestrutura. Estradas, aeroportos, saneamento, educação e treinamento de pessoas para trabalhar com os “velhinhos”… qualquer que seja o futuro pensado estaremos atrasados. Porque demoramos muito a tomar decisões. E, pior, elas só valem por 3 anos. Porque no quarto haverá novas eleições! Triste sociedade brasileira, presa nas suas mesquinharias!

    1. Concordo. Sem infraestrutura é impossivel qualquer plano. E essa infraestrutura é sempre “travada” por discussões interminaveis sobre aspectos ambientais, que nada fazem alem de inviabilizar ou atrasar absurdamente projetos essenciais para o pais. Vejam o que a Chiva vem investindo nessa area. Dá inveja de ver o numero de pontes, viadutos, estradas, estradas de ferro, metros, trens de alta velocidade, hidreletricas, etc,etc,etc

  2. Tudo isso só seria possível com liberdade econômica, menos impostos, sem leis trabalhistas ultrapassadas , sem corrupção e muita educação. Portugal já é um país bilíngue. No turismo é exigido pelo menos um segundo idioma . Progresso com esquerda ou direita burra é impossível!

  3. Algo fundamental para o “jogo” é o Brasil ensinar (de verdade) o inglês. Ainda hoje apenas 1% dos brasileiros tem o domínio do idioma em que o mundo dos negócios se comunica. Como compreender as regras do jogo ae não se domina a língua do juiz?

  4. Concordo, todo jogo começa com planejamento e exige ciência, paciência, insistência paciência e persistência. A falta de homogeneidade intelectual e cultural do nosso povo coloca dificuldades adicionais ás já naturalmente originadas em desafios deste porte de jogo, ou seja, mudar um pais inteiro em uma única direção que é a vitória contra a pobreza de bolso e de espirito. Por isso nosso pais conseguiu taxas de crescimento extraordinárias durante o período iniciado em 64, pese a violência e a perda de vidas. Demorou um pouco para o time mostrar resultados porque o povo demorou um pouco para aceitar a mudança de estilo de jogo porem depois de algum tempo com o devido treino o ataque engrenado e sincronizado fez uma festa assim como os menudos do Cilinho. Parabens mais uma vez pela criatividade didática do seu artigo.

  5. Cabe aos empresários se organizarem no Brasil foram capazes de construir vários condomínios de luxo como Alphaville e outros. Há complexos turísticos como Caldas Novas em Goiás. O Brasil é o paraíso das empresas de segurança privada. Há vários shopping centers de luxo em todo o Brasil. Ou seja pode haver participação do governo na segurança pública principalmente mas os investimentos para atrair turistas internacionais são geralmente da iniciativa privada.

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O Brasil está perdendo o jogo da globalização por 4 a zero.

Você se reúne com seus assistentes para analisar as opções.

A primeira opção é mandar todo o time para o ataque. Isso significa incentivar a indústria brasileira a adotar programas de qualidade e produtividade, apoiar as exportações, investir em tecnologia e aumentar a competitividade.

É o que nossos governos têm feito desde 1950, sem muito sucesso.

Outra opção seria criar uma enorme confusão no meio-de-campo, provocar a expulsão de adversários como multinacionais, globalistas, a ONU e o FMI e anular a partida, já que as regras foram inventadas por eles e não nós.

Essas são basicamente as únicas opções discutidas pela maioria dos especialistas e partidos políticos.

Existe ainda uma terceira opção, pouco analisada, que parte da percepção de que temos perdido a maioria dos jogos econômicos porque ficamos o tempo todo tentando entender ou então mudar as regras.

Quando finalmente aprendemos os truques e os macetes, as regras já mudaram, e os que querem mudá-las nem sabem como.

A verdade é que nunca vamos ganhar jogos com regras escritas por outros.

Jogos econômicos são ganhos muito antes de o time entrar em campo, nos meses de treinamento intensivo, na organização e administração do time.

O Brasil sempre entra em campo anos depois de o jogo ter começado.

Precisamos nos preparar para o próximo jogo internacional.

Precisamos nos preparar para os jogos e as regras que estarão por vir, e até criar nossos jogos com nossas regras.

Tudo isso pode parecer muito óbvio, mas nunca foi feito.

Nossos economistas e intelectuais estão discutindo os problemas econômicos do passado, sem tempo para discutir as tendências do futuro.

Perdemos anos corrigindo o passado, como fizemos na Constituição de 1988, e não discutindo as possibilidades do futuro.

Pior, nossos políticos e nossa imprensa só ouvem aqueles que explicam o presente, e não aqueles que se preocupam com o futuro.

Por definição, o futuro não é notícia, porque ainda não aconteceu.

“Qual será o próximo jogo econômico internacional?” é portanto a pergunta cuja resposta vale ouro.

Infelizmente, não tenho espaço nem competência para me estender convincentemente nesse assunto.

Por isso, vou dar um exemplo dos jogos possíveis, um exemplo didático, não uma proposta concreta.

Um dos jogos que imagino é o turismo da terceira idade de média renda.

O mundo está envelhecendo e, com os progressos da ciência, a população do Primeiro Mundo estará vivendo cada vez mais.

Lugares como Miami, Costa Brava e Lisboa ficarão pequenos para acolher os milhões de velhinhos e velhinhas aposentados dos Estados Unidos e da Europa, que fogem dos rigores de seu inverno.

Se estivermos preparados, eles poderão escolher cidades mais quentes e mais baratas, como Salvador, Fortaleza, Natal e Maceió, cidades com a tradicional hospitalidade brasileira.

Doze milhões de velhinhos com aposentadoria anual média de 80.000 dólares para gastar nos trariam 5 trilhões de reais, bilhões de “exportações” por ano, metade de um PIB.

Mas, para que o Brasil participasse desse jogo, precisaríamos nos preparar desde já.

Em vez de construir estádios de futebol e hotéis de luxo, teríamos de erguer milhares de flat services ao lado.

Em vez dos cassinos que muitos querem criar, teríamos de construir dezenas de campos de golfe, se o MST permitir.

Em vez de boates, precisaríamos de bingos, quadras de bocha e piscinas térmicas, além de resolver nossos problemas de segurança.

Mais importante seria a construção de centros ortopédicos e geriátricos de qualidade internacional, o que nos traria ainda mais divisas.

E aqui, caro leitor, vem o ponto crucial.

Esses investimentos levam tempo para ser feitos.

E, uma vez construído, um hospital cardiológico ou ortopédico leva no mínimo dez anos para ganhar reputação internacional.

Ou seja, já estamos atrasados e podemos perder também esse barco, porque nunca pensamos nos jogos do futuro, somente nos erros do passado.  

Stephen Kanitz é administrador


(www.kanitz.com.br)
  Revista Veja, Editora Abril, edição 1799, ano 36, nº 16 de 23 de abril de 2003