A maioria das empresas brasileiras possui uma política filantrópica que poderia ser resumida nas seguintes etapas: pequeno recurso de natureza filantrópica previsto em orçamento; seguidas negativas a pedidos de recursos; concessão de recursos à filha do prefeito, ao líder dos vereadores e ou para a irmã de seu maior cliente.
O dinheiro acaba sendo gasto em muitos projetos diferentes, mas boa parte dele não chega ao destino previsto, seja porque as entidades beneficiadas não são exatamente as mais bem administradas do País, seja porque as causas apoiadas não são necessariamente as prioritárias. Apesar da filantropia feita, ninguém se orgulha desses gastos e os consumidores não ficam sabendo do empenho investido. É como jogar fora uma gota d’água no oceano, e mais, a filha do prefeito e sua entidade não mandam nem um cartão de Natal, como agradecimento.
O presidente e o acionista da empresa doadora acabam achando, corretamente, que no fundo, as doações são um desperdício e que não acrescentam nada às soluções dos problemas sociais. Como mudar esta infeliz situação para todos?
A filantropia estratégica é uma prática que vem crescendo com sucesso. No caso brasileiro é a melhor alternativa para as empresas que querem causar o máximo de impacto junto à comunidade com um mínimo de recursos. Em vez de dispersar seus recursos filantrópicos entre uma dezena de entidades a empresa deve abraçar uma única causa e ficar conhecida por ela.
O Boticário, por exemplo, tem a imagem associada à proteção ao meio ambiente e a C&A, à educação infantil.
Um banco médio brasileiro doa fortunas a uma série de entidades sem fins lucrativos, um valor bem acima do esperado para um banco de seu porte. Porém, o depositante médio do banco não consegue associá-lo a um projeto social específico. Isso ocorre porque o banco possui uma política de doações, e não uma estratégia filantrópica. Com menos recursos O Boticário ganha uma visão social positiva junto ao público consumidor, fornecedores, clientes e potenciais, para quem está claro que ele ajuda o meio ambiente. Grandes empresas descobrirão que apoiar um ou outro evento beneficente dirigido pelo departamento de marketing não dá bons resultados. Os consumidores e a opinião pública percebem o tom mercadológico de certas iniciativas.
A filantropia estratégica definida claramente pela companhia ganha credibilidade e seriedade, o que lhe permite cobrar resultados dos beneficiados. Pela primeira vez seu corpo de executivos se preocupará com que sejam bem gastos e como serão empregados esses recursos.
As entidades beneficentes adoram pedir recursos para construção de sedes próprias, motivadas por insegurança financeira. Seus executivos vão agora sugerir que a entidade alugue prédios e não mais gaste o precioso capital inicial com uma sede própria, o que, erroneamente, é prioridade de muitas delas.
A filantropia estratégica começa a ser interessante e divertida para os funcionários e diretores, ao contrário das doações ao acaso, que sempre deixam um gosto amargo na boca.
O segredo de uma boa estratégia filantrópica é achar a causa ideal para sua empresa. Neste caso, as respostas não são nada fáceis. Possivelmente a melhor solução seja contratar um serviço de consultoria.
O primeiro passo é conhecer o enorme leque de necessidades sociais, ao qual carência e socorro foram simplesmente relegados. Depois é necessário definir quais os tipos de competências, interesses e desejos dos funcionários da empresa que podem ser canalizados e usados eficientemente. Certamente uma empresa de construção civil terá muitas dificuldades em obter sinergia corporativa para o tratamento de doentes com o mal de Alzheimer, por exemplo.
Com um pouco de análise encontra-se alguma sintonia entre as entidades, suas causas, competências e motivação de uma empresa. Como a C&A, por exemplo, que abraçou a educação infantil, já que a maior parte dos funcionários tem filhos e gostaria de entender de educação em geral.
É possível, também, que a definição se esclareça a propósito de um evento traumático ocorrido na empresa. No caso de uma empresa no Sul, uma respeitada e querida diretora do RH faleceu no parto, o que mobilizou a empresa a apoiar creches para órfãos de mãe. O trauma gerou mobilização de todos os funcionários e criou história e tradição empresarial sadia.
Outra alternativa é analisar quais os estragos que a sua empresa causa à sociedade ou à ecologia em geral.
A Latasa, que provoca poluição de latas de alumínio vazias, instituiu uma bem sucedida campanha beneficente que troca um certo número de latas vazias por equipamentos escolares. Dezenas de entidades beneficentes e escolas promovem campanhas de arrecadação de latas, já que estas são recicláveis e o custo da campanha e praticamente nulo.
Donald Trump, com o Trump Taj Mahal, financia um serviço telefônico para jogadores compulsivos. Muitas empresas se recusariam a promover uma campanha como essa por parecer uma admissão de culpa. Ledo engano. Trump, no fundo, está criando uma aura de credibilidade ao demonstrar que existe uma categoria de jogadores sadios, que sabem medir limites, e que os jogadores compulsivos não são desejados nem pela indústria do jogo. A rigor, são eles que dão os maiores problemas e calotes.
Se a indústria do fumo tivesse empregado um décimo do que gasta em propaganda em pesquisas para a cura do câncer do pulmão, sua posição seria bem mais confortável. Ao negar que o problema existe acabou cavando sua própria sepultura.
Nada impede que uma empresa abrace mais de uma causa, como a Wal-Mart, que assiste programas de ecologia, educação, idosos e deficientes físicos.
Provavelmente, sua empresa terá que continuar dando dinheiro para a entidade da filha do prefeito ou para a creche da cidade onde fica a fábrica. O cerne da questão é constância, persistência e comprometimento por um longo período de tempo, digamos 10 anos. Este é o segredo da filantropia estratégica.
No fundo, ao longo do tempo as doações para bingos e rifas não acrescentam nada à sua empresa. Por outro lado, a dedicação a um projeto acaba gerando um clima benéfico não só entre os consumidores, como também entre seu próprio corpo de funcionários, o que é mais importante. Muitas das grandes fundações filantrópicas americanas têm como objetivo criar o maior número possível de projetos. Depois de implantados, abandonam-os, deixando a parte chata da manutenção do projeto para outros. Os executivos de grandes fundações são motivados e avaliados pelas inaugurações, novas ideias e não pela sua constância, com inúmeras exceções.
A vigésima maior fundação brasileira possui um patrimônio de US$ 100 mil; a correspondente americana, US$ 1 bilhão, 10 mil vezes maior.
Os números americanos costumam ser oito vezes maiores que os brasileiros, como no consumo de detergentes ou volume de receita de seguros. No entanto, o nosso atraso empresarial em relação aos programas sociais das empresas nos Estados Unidos é 10 mil vezes maior.
A globalização, o culto da competência, da eficiência e da sobrevivência do mais forte ou do competente indicam que os problemas sociais em alguns segmentos da sociedade se agravarão. O socorro à pobreza e à miséria irá melhorar sensivelmente, mas para o pobre e paraplégico a situação vai piorar muito.
As 500 Maiores Empresas Brasileiras doam, aproximadamente, 300 milhões de dólares para entidades beneficentes. Além de ser uma quantia irrisória para os padrões internacionais, a maioria delas faz isso de forma totalmente aleatória, sem estratégia filantrópica definida.
A filantropia estratégica fará seus funcionários se sentirem orgulhosos de trabalhar para você e também vão produzir mais. Veja as empresas públicas: nelas, os funcionários passam 30% do tempo falando mal dos chefes.
Faça seus consumidores felizes por serem seus clientes. Temos pesquisas mostrando que as empresas que apoiam instituições beneficentes capturam 80% a mais de clientes do que as não apoiadoras, em igualdade de qualidade e preços do produto.
Mais surpreendente é que 60% dos consumidores se dispõem a trocar de marca para outra um pouco inferior, se o produto ou empresa apoia entidades beneficentes.
Queiram ou não, cada vez mais a filantropia começará a fazer parte da estratégia global das empresas brasileiras.