É assustadora a confusão disseminada pelo jornalismo econômico brasileiro.
Quase todos os jornais estampam como manchete de primeira página as decisões do Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) sobre a taxa de “juros”.
A verdade é que ninguém sabe qual será a taxa de juros.
Para sabermos a taxa de juros teremos de esperar um ano inteiro, e aí verificar qual foi a inflação do período e descontá-la da taxa do Copom.
Só então saberemos o nível dos juros deste país, para tomar, tardiamente, as decisões financeiras apropriadas.
Aliás, uma das razões dos juros altos é justamente esta: ninguém sabe ao certo qual será o verdadeiro juro que receberá dos títulos públicos nos próximos doze meses, um absurdo monumental.
Desde 1994, o Brasil adotou o chamado nominalismo econômico, em que os juros dependem da inflação futura, abandonando o realismo econômico de até então, quando os juros eram reais e não nominais.
Depois de 1994, todo investidor é obrigado a chutar, prever, adivinhar a inflação futura embutida na taxa do Copom. Ou contratar, a peso de ouro, ex Ministros da Fazenda.
Ninguém tem mais certeza da inflação, nem dos juros.
Como fruto dessa incerteza, os aplicadores acrescentam um prêmio de risco elevadíssimo para se precaver.
Antes de 1994, para quem não se esqueceu, os títulos da dívida interna eram precificados por seus juros reais, e não pelos nominais como agora.
Infelizmente o governo FHC, não entendendo a essência do Plano Real, reimplantou o nominalismo econômico, cuja primeira consequência foi aumentar o risco e a incerteza quanto aos juros futuros.
Na era do realismo econômico os juros eram menores, justamente porque os juros reais eram transparentes e previamente conhecidos.
Quem está criando essa volatilidade toda não são os investidores estrangeiros, mas essa política econômica nominalista que permite que o juro real flutue mês a mês, de forma imprevisível, numa volatilidade made in Brazil, que aumenta nosso risco à toa.
Tenho um título brasileiro de 1907 com juros de 4,5% ao ano, quando o capital era escasso e o Brasil, um fim de mundo. E prazo para pagar de 60 anos.
Por que pagamos mais do que o dobro hoje, num mundo com capital abundante?
Os 4,5% de 1907 eram reais e não nominais.
Eram denominados em barras de ouro, na época a melhor garantia contra a inflação, e rendiam 4,5% de juros transparentes e sem incertezas.
Foi a eliminação do padrão ouro que introduziu o nominalismo econômico e resultou na recessão de 1929.
Para piorar essa situação, o governo FHC introduziu o nominalismo econômico também na taxação dos juros.
Hoje, ninguém sabe ao certo como os juros serão taxados no final da aplicação, depende da inflação futura.
O imposto se tornou volátil. Pode ser 20% do rendimento dos juros, se não houver inflação, pode ser 50%, 60% e até 80% se a inflação for elevada.
Mais um risco que o investidor acrescenta aos juros.
O nominalismo econômico foi responsável pela crise da dívida externa mundial de 1983, pelo enfraquecimento do sistema bancário internacional, pelos equivocados Acordos da Basileia, pelo surgimento dos fundos especulativos, pela volatilidade do nosso Bônus 40, pela aceleração da inflação, enfim, pela maioria de nossos problemas.
O abandono dessa escola nominalista reduziria de imediato nosso juro, traria títulos com juros precificados, como todos os demais produtos deste país, com uma taxação clara e conhecida.
Temos muitos economistas competentes da escola realista, e eles são muito facilmente identificáveis.
Basta perguntar qual o juro determinado pelo Copom que eles respondem: “Honestamente, não sei”.
Daqui a um mês, quando noticiarem que o Copom “baixou” ou “aumentou” juro, lembrem-se deste artigo.
Vocês só saberão a verdade no ano que vem.
Revista Veja, Editora Abril, edição 1857, ano 37, nº 23, 9 de junho de 2004, página 23
7 respostas
O Professor também esqueceu de destacar o papel do imposto para o investidor.
Com um juro nominal de 12,25% e uma inflação (minima) de 7% e um imposto de curto prazo de 22,5% o juro real fica nos parcos 2,50 % aa. Isso com um risco altissimo
Professor, saberia me informar porque no calculo do crescimento do PIB não é descontada a inflação ? Por exemplo, se tivermos um crescimento de 1% com uma inflacao de 7% porque o crescimento não é -6% ?
Professor escreva algo que saiba. Isso é uma aberração de artigo. É só se dar ao trabalho de olhar alguns países para perceber que o que foi dito acima não faz o menor sentido. Se fosse assim, muitíssimos países teriam taxas reais elevadas…
Quais países usam realismo econômico, e quais os prós e contras? Não sei como encontrar material a respeito, os únicos textos com esses termos são seus.
Será que é por conta do nominalismo que os EUA tem as taxas de juros mais elevadas do mundo?
Professor. Lembro deste texto na revista Veja da época. Como este assunto é complicado, e de difícil entendimento, até para economistas, contadores e administradores, sugiro que escreva mais sobre isso, pois as dúvidas e questões levantadas abaixo são só o começo…
Até hoje, os únicos efeitos da taxa Selic sobre a inflação foram através
da apreciação cambial (em função da maior entrada de dólares visando
aproveitar os ganhos de renda fixa) e um aumento do desemprego através
da relação menos emprego menos demanda queda de preços.
O resultado óbvio dessa política é o seguinte:
Os cortes nas despesas primárias não compensarão o aumento expressivo
dos juros, resultando em um aumento do déficit nominal (que inclui
juros) e, consequentemente, da dívida pública como proporção do PIB.
Para não utilizar a valorização cambial como arma, a queda do PIB
teria que ser muito acentuada para, só pela via do desemprego, segurar a
inflação. Daí porque se recorrerá recorrentemente a ela.
O desaquecimento da economia produz uma queda do PIB, aumentando a relação dívida/PIB pela redução do numerador.
Na prática, os resultados iniciais desse jogo são os seguintes:
Em março a dívida pública federal aumentou 4,79% em termos nominais.
Desse total, a dívida mobiliária interna aumentou 4,66%; já a dívida
federal externa aumentou 7,27%. Tudo isso em termos mensais.
O dólar caiu abaixo dos R$ 3,00.
O mercado passou a apostar em queda do PIB de 1,1% este ano. Só essa
queda do PIB aumenta a relação dívida bruta/PIB em quase 0,7 ponto
percentual.