A maioria dos administradores de entidades que ajudam os outros vivem assustados e intranquilos.
As recessões e as taxas de juros elevadas também os afetam, embora eles não almejem o lucro.
Em épocas de recessão as doações caem pela metade, e ao contrário das empresas, as entidades tendem a não mandar ninguém embora.
Órfãos não podem ser colocados na rua por falta de donativos.
Hoje em dia, empresas “adotam” projetos sociais por um ano ou dois no máximo, até poder ganhar um destes prêmios de Cidadania Empresarial, e se não ganham um prêmio trocam o projeto social por outro.
E quando ganham este prêmios, gastam fortunas anunciando o “merecido” prêmio, muitas vezes mais do que o donativo original.
Já vi empresas gastarem R$ 200.000,00 em propaganda por ter recebido o Prêmio de Cidadania de um projeto que custou R$ 120.000,00.
Um orfanato, ao contrário, não anuncia. Quando adota um órfão é para sempre, e não manda embora metade dos órfãos numa recessão, nem muda de projeto.
Todo ano eu organizava um dos poucos Prêmios para aqueles que devotam 100% de suas energias e receitas ao social, ao contrário das empresas Cidadãs que gastam 0,1% de suas receitas no social.
Tentei fazer parceria com uma famosa revista, mas a resposta foi “ONGs não anunciam, Empresas Cidadãs, sim”.
Das 280 entidades que analisamos anualmente, 80% não tinham dinheiro em caixa para suprir suas despesas por mais de uma semana.
Dos 46 critérios que eu utilizava, este era seguramente aquele onde as entidades eram as mais deficientes. Falta de reservas em caixa, como o Brasil até a vinda do Henrique Meirelles.
Esta situação deixava as entidades inseguras, e complicava o esforço de arrecadação.
Nenhum doador quer doar para que a entidade pague os salários atrasados. Querem doar para construir um prédio novo ou criar um projeto inovador, mas a maioria das doações são feitas no desespero.
O Prêmio Bem Eficiente era de R$ 200.000,00 e ia para para uma das 50 entidades vencedoras, um Prêmio e tanto.
Escolheríamos aquela onde o dinheiro faria a maior diferença, para uma entidade que estava com seu dinheiro em caixa próximo a zero.
Ao entregarmos o cheque, eu sugeria que colocassem o dinheiro num fundo de investimento, e só o gastassem em última necessidade.
Era um pedido que fazíamos mais ou menos sabendo que dificilmente seria cumprido.
Ano passado, a primeira entidade recebedora desta doação nos procurou para prestar contas.
Ela havia dobrado de tamanho e construído uma nova sede com o nome Prédio Bem Eficiente, e pediu para que eu e as empresas que patrocinavam o prêmio viessem inaugurá-la.
O Prédio devia ter custado uns R$ 400.000,00, muito mais do que nosso prêmio.
Perguntei como conseguiram a diferença, e para minha surpresa me mostraram que nem haviam gasto um tostão do Prêmio Bem Eficiente.
“Com estes juros de 25%, temos agora o triplo em caixa. O seu prêmio ainda está conosco, ele nos deu algo que nunca tivemos. Vocês nos deram uma paz de espírito”.
Paz de espírito para não entrar em desespero com a recessão, e as contantes mudanças na política econômica.
Puderam ser mais agressivos, procurar recursos sem mostrar desespero, mostrando planos futuros e não despesas passadas.
Permitiu pela primeira vez que todos respirassem tranquilos e se concentrassem nas questões estratégicas de longo prazo e não mais no corre corre do curto prazo.
Curiosamente, do ponto de vista financeiro, nós do Prêmio Bem Eficiente não fizemos absolutamente nada para a entidade. O dinheiro nem foi usado, é como se não tivéssemos doado nada.
Tudo isto foi possível porque 6 empresas me perguntaram o que eles poderiam fazer pelas entidades que já existiam.
Hoje esta pergunta não é mais feita, perdi minha função.
A maioria destas empresas ditas socialmente responsáveis criam seus projetos internamente, estão cancelando seus donativos para as entidades que já existem tirando a tranquilidade e a paz de espírito de muita gente boa neste setor e que acaba desistindo, como eu.
Dinheiro pode não trazer felicidade, mas uma certa quantia guardada no caixa pode trazer uma paz de espírito.
4 respostas
Excelente Stephen.
Com paz de espírito somos capazes de transpor qualquer dificuldade que aparece em nossas vidas. Parabéns a entidade pela atitude. Precisamos de mais pessoas assim em nossa sociedade; que não se preocupam com o agora mas sim com o amanhã. Pessoas especiais que fazem a diferença.
Caro Prof.,
Parabéns pelo excelente trabalho.
Amorim
Florianópolis
Kanitz, voce tem toda a razão mas confesso que ando muito desmotivado para fazer este tipo de ajuda. Pusseram na bendita Constituição Cidadã e o governo gasta fortunas para divulgar que é tudo DEVER DO ESTADO E DIREITO DE TODOS. Com isto justificam os impostos mais altos e a intervenção do estado. Penso que ajudando as entidades privadas estamos mascarando a demagogia do governo “socialista”. Campanhas de governo para mobilizar o povo a ajudar com donativos, “me incluo fora”.
Vivo em uma pequena cidade em Minas Gerais, onde trabalho somos apenas 20 funcionários e sempre quando entramos no assunto de ajudar pessoas, termina na discussão de porquê as pessoas mais gananciosas são as que ocupam as diretorias de organizações “sem fins lucrativos” e mesmo sem essas terem algum recurso extra ou outro trabalho, desfrutam de regalias e um padrão de vida totalmente fora de sua realidade. Isso infelizmente afasta as pessoas e potenciais colaboradores que também observam isso, ajudamos com pouca coisa, pois não representamos a empresa, e optamos por escolher famílias que estão numa situação desfavorável naquele momento (contas de água, luz, farmácia, mercado) e vivemos nosso momento de paz de espírito, pois há verdade na frase, ” é melhor o dar do que receber” mas este primeiro se um dia tivermos recebido, quer seja dos homens ou de Deus.