Jamais esquecerei o meu primeiro dia de aula na Harvard Business School.
No dia anterior recebemos 90 páginas descrevendo três problemas administrativos que haviam ocorrido anos atrás em empresas verdadeiras.
Tínhamos 24 horas para tomar uma série de decisões, utilizando as mesmas informações disponíveis da diretoria da época.
Era um problema por matéria, 3 matérias por dia.
O primeiro caso do dia tratava-se de uma empresa controlada por dois irmãos, bem sucedida por trinta anos, até o dia em que um deles se desquitou e casou com uma moça vinte anos mais jovem.
Esse pequeno fato desencadeou uma série de problemas que afetava o desempenho da empresa. Nós éramos os consultores que teriam de sugerir uma saída.
No primeiro dia, na primeira aula, o professor entrou na sala e simplesmente disse:
– Sr. Kanitz, qual é a sua recomendação para esse caso?
– Por que eu?
As aulas a que eu estava acostumado em toda a minha vida de estudante consistiam num bando de alunos ouvindo pacientemente um professor que dominava as nossas atenções pelo resto do dia.
Simplesmente, naquele fatídico dia, eu não estava preparado quando todos viraram suas atenções para mim – e, pelo jeito, eu é que teria de dar a aula.
Esse sistema é conhecido por ensino centrado no aluno e não no professor.
Tanto é que, minha grande frustração foi ter os melhores professores de administração do mundo, mas que ficavam na maioria das aulas, simplesmente calados.
Curiosamente, falar em aula era uma obrigação, e não o que em geral acontece em muitas escolas secundárias brasileiras, em que essa atitude é passível de punição.
Outra descoberta chocante foi constatar, que a maioria dos famosos livros de administração de nada serviam para resolver aquele caso.
Nenhum capítulo de Michael Porter trata especificamente de “problemas de desquites em empresas familiares”, um fato mais comum nas empresas do que se imagina.
A maioria das decisões na vida é de problemas que ninguém teve que enfrentar antes, e sem literatura pré-estabelecida.
Estamos sozinhos no mundo com nossos problemas pessoais e empresariais. Quão mais fácil foi a minha vida de estudante no Brasil, quando a obrigação acadêmica era decorar as teorias do passado de Keynes, Adam Smith e Peter Drucker, como se fossem livros de autoajuda para os problemas do futuro.
Durante dois anos, estudamos mais de 1.000 casos ou problemas dos mais variados tipos: desde desquites, brigas entre o departamento de marketing e o financeiro, greves, governos incompetentes, fusões, cisões, falências e até crises na Ásia.
Isto nos obrigava a observar, destilar as informações relevantes, ignorar as irrelevantes, ponderar as contradições, trabalhar com vinte variáveis ao mesmo tempo, testar alternativas, formar uma decisão e expô-la de forma clara e coerente.
Estavam ensinando por meio de uma metodologia inédita na época (1972), o que poucas escolas e faculdades fazem até hoje: ensinar a pensar.
Em nada adianta ficar ensinando como outros grandes cérebros do passado pensavam.
Em nada adianta copiar soluções do passado e achar que elas se aplicam ao presente.
Num mundo cada vez mais mutável, onde as inter-relações nunca são as mesmas, ensinar fatos e teorias será de pouca utilidade para o aluno de hoje.
Ensinar a pensar também não é tão fácil assim.
Não é um curso de lógica, nem uma questão de formar uma visão crítica do mundo achando que isto resolve a questão.
Sair criticando o mundo, contestando as teorias do passado forma uma geração de contestadores que nada constrói, que nada sugere.
Minha recomendação ao jovem de hoje é para que se concentre em uma das competências mais importantes para o mundo moderno: aprender a pensar e a tomar decisões.
Stephen Kanitz, artigo publicado na Revista Veja, edição 1636, 16/02/2000
31 respostas
Excelente o texto. Qual foi a sua solução para o problema? rsrsrs.
Interessante, talvez fosse interessante escrever textos voltados a estes cases.
Durante dois anos, estudamos mais de 1.000 casos ou problemas dos mais variados tipos: desde desquites, brigas entre o departamento de marketing e o financeiro, greves, governos incompetentes, fusões, cisões, falências e até crises na Ásia.
Talvez fosse até possível recriar o clima de Havard, usando os comentários.
Mestre Kanitz,
Como sempre impecável, seus artigos e comentarios nos inspiram a trilhar no caminho da eficiência, como Administradores principalmente de nós mesmos, eu como Bacharel em Ciências Contábeis e grande visionário,não começo meu dia sem antes visitar seu Blog, brilhante!!!
é por essa e por outras que em toda a minha vida de estudos se encontrei 2 ou 3 professores, foram muitos.
os outros, foram e são puros enganadores…
Isto mostra como a nossa educação é obsoleta e precária, pois forma alunos inertes e sem iniciativa. O mundo do conhecimento exige, prática+teoria, na vivencia da vida organizacional e pessoal. Tomar decisão é hoje um dos maiores problemas das pessoas que consequentemente levam as organizaçoes ao fracasso.
Belo texto professor. Poderíamos gerar uma discussão sobre os primeiros passos para o aprendizado e de como tomar decisões.
Por que não trazer ese clima de Harvard para o blog?
Também adorei o texto.
Durante minha graduação e pós-graduação encontrei pouquíssimos mestres que me estimularam a Pensar, os demais apenas reproduziram as cartilhas de sempre.
Alunos sentados e enfileirados, sendo obrigados a olhar e ouvir “ícones” do conhecimento.
Aqui é proibido pensar, só se permite reproduzir.
Sou aluno do curso de MBA de Administração de Finanças e Banking, e meu professor, já havia mencionado o método de estudos de Harvard, onde nos expôs um vídeo a respeito. Aliás nossas aulas, correm nos mesmos moldes, e é de grande valia para nossa compreensão e idéias.
Excelente texto!
Estou impressionada como nosso ensino não chega nem perto de tal aprendizado. E acontece exatamente como você falou, as escolas são preocupadas em nos ensinar pensamentos já pensado por outras pessoas, e não a pensarmos por nós mesmos.
Ótimo artigo e ótimo blog, eu sempre acompanho.
Em outras palavras… por que detesto o ensino no Brasil!
No curso de Marketing da EACH – USP também acontece no mesmo molde voltado para resoluções de casos, fico feliz em ler um texto como esse e ver que minha faculdade está num bom caminho, mesmo sendo nova.
É com prazer enorme que ao ler este texto, percebo que há muito o que se fazer quanto a metodologia de no ensino superior ( diga-se de passagem, no ensino em geral), mas saliento que na umiversidade que curso há alguns professores que procuram “forçar” o aluno a pensar, e pelo visto eles estão fazendo um ótimo trabalho.
Grato por este texto.
É mesmo, quais foram as medidas tomadas para resolver tal problema?
Belo texto, quem sabe um dia aqui no Brasil nossas autoridades aprenda a aprender e revulocione seus modos operantis de governar colocando a dignidade da pessoa humana acima das maquinas, dos lucros, das crenças, das etnias e da vaidade do sistema, mas para isso acontecer precisamos fazer o dever de casa, ou seja, nossa sociedade tem que de uma vez por todas sair dessa alienação cultural que as elites nos impõem atraves do “modismo” nos programas de comunicação de massa…
Lendo seu texto agora. Muito bom. Parabéns pela escrita. E por me fazer refletir sobre meu atual sistema educacional.
Kanitz, muito bom o seu texto e gostaria de te desfia-lo. Algumas Business Schools no mundo estao tentando mudar um pouco o Business Model e gostaria da sua opiniao.
O exemplo e’ da Moscow School of Management (SKOLKOVO) que tem uma parceria com o MIT Sloan. O periodo do curso e’ de 16 meses e apenas 4 deles sao voltados para a parte teorica com estudos de cases, na maioria deles de Harvard. Porem os outros 12 meses sao de projetos reais em empresas privadas ou no setor publico de paises emergentes como Russia, China e USA.
O que se e’ passado nos cases muitas vezes nao e’ possivel aplicar exatamente devido as grandes diferencas para o atual momento do problema. Concordo que para ensinar um framework de pensamentos e modelos funciona perfeitamente. Aplicar e’ diferente.
Estou fazendo este MBA e posso te garantir que problemas que encontrei em projetos na China como desenvolver e aplicar uma nova estrategia para uma rede de supermercado de Pequim ou para fazer um business plan afim de aumentar os relatorios de sustentabilidade das empresas russas foram totalmente diferentes dos cases de Harvard, INSEAD, LBS ou outra top Business School no mundo.
Ate que ponto estudar em cases lhe dara experienca para enfrentar desafios de lideranca com um time multicultural, em fast-moves economies, com alto risco de corrupcoes ou qualquer outro problema em que a teoria e casos nao se aplicam.
Um grande Abraco e Obrigado.
USA leia-se India.
Kanitz,
Este artigo só vem me dizer o quanto eu preciso a cada dia me esforçar para aprender a pensar e tomar as decisões mais corretas, ainda mais por não só querer me formar no curso de administração o que já é quase um fato e se tornará em breve, mas de prosseguir enveredando pelos caminhos da consultoria, da vida acadêmica e quem sabe um dia também chegar a Harvard Business School. Esse é o meu mundo, a minha paixão.
Obrigado Kanitz, por me impulsionar tanto com cada texto, artigo enfim com cada fraze escrita e que muito me edifica.
Lenildo
e como se aprende a pensar e tomar decisões? Existem técnicas ou só se aprende fazendo?
Alessandro
Mas, em qual ponto estabelecer a linha divisória entre a base de conhecimento e o experimento?
Kanitz,
qual foi a sua solução?
abs!
Professor, sobre a sua indignação: “Minha grande frustração foi ter os melhores professores de administração do mundo, mas que ficavam na maioria das aulas, simplesmente calados.” só mostra o quanto eles eram sábios. Sim, devemos lembrar da velha sabedoria oriental que diz que sábio é quem mais escuta. Para alguém caminhar muito ou correr, primeiro precisa ingerir uma boa quantidade de nutrientes, o mesmo vale para alguém construir o seu conhecimento, primeiro escutar e observar. No meu entender os seus professores estavam corretíssimos e é justamente isso que fez deles pessoas sábias. Eu tenho medo é de pessoas que falam demais e que não deixam os outros falar, que dão a falsa ideia de que já sabem tudo. Creio que a dúvida é um ótimo combustível para gerar novo conhecimento.
Me sinto obrigado a passar esse texto para os meus alunos (e trabalhá-lo em aula).
Atualmente as turmas de Administração são compostas basicamente por contestadores (e uns poucos que acham que todas as soluções para vida devem estar nos livros acadêmicos).
Sempre tento abrir os olhos deles e mostrar que apesar da(s) teoria(s) ser(em) robusta(s), a decisões de cada um devem levar em conta o contexto da organização, as limitações, metas, forças e fraquezas da mesma!
Os alunos reclamam que as teorias não são exequíveis, que tudo é muito utópico, mas querem “receitas de bolo” para resolver tudo! Se capacidade de decidir bem fosse ensinada só pelos livros não teríamos empresas falindo (e os amigos da Economia vibrariam com os mercados racionais!).
Excelente!
Moral da história… Já não existem mais professores como antigamente.
Discordo em parte. Estudar Teorias “antigas” não significa que estamos estudando para APLICAR hoje (neste período, neste contexto histórico em qual estamos inseridos) o que foi aplicado nos sec. XVIII ou XX . O estudo das teorias é indispensável sim, para a COMPREENSÃO das idéias que surgiram para sanar falhas e desmistificar falácias. A compreensão para o economista sobre a evolução do pensamento econômico é intrinsecamente ligada à sua base de pensamento. A ANÁLISE da evolução dos pressupostos das antigas escolas econômicas, é parte fundamental desta iniciação.
Sim, concordo, a melhor maneira de “incomodar” a inteligencia do aluno, é faze-lo pensar. Mas, aulas que tenha como proposta apenas dispor o aluno a resolver problemas, não prepara ninguém. Da mesma maneira em que as “as teorias antigas”, e livros de Peter Drucker (de maneria infeliz, exposta como ‘mais parece auto-ajuda’) não irão dispor para resoluções de problemas variáveis futuros, só resolução prática exaustiva de problemas não irá preparar ninguém.
Ambas práticas de estudos estarão corretas – no sentido de, montar bases de conhecimento e imaginação – se forem propostas com caráter biunívoco. Precisamos desse viés nas universidades.
Esse artigo Sr. Kanitz , é um espelho da frase de Einstein que está escrita em seu blog. Só pensamos nisso, quando sabemos as bases (estudos das teorias). Aí sim, julgamos a inovação, imaginação, criatividade, como SUMA importância em um universitário. Sem conhecimento e leituras teóricas ninguém se arrisca a dizer isso, ou estou mentindo?
Administradores, leiam sim, leiam Smith, Drucker, Keynes. Isso não irá obriga-lo a pensar e agir como eles; não obstante, devemos fazer nossos futuros administradores a pensar, ou como Dom Bosco diria “rancar sangue dos alunos, para que eles nos devolvam o melhor de si”. Identificação de mudanças. AINDA MAIS HOJE, QUANDO ESTAMOS PRECISANDO DE NOVOS QUESNAY’S, KEYNES’S. Smith, não pensou sozinho Profº. Ele foi seguidor de Quesnay. Pense nisso. Ou o Sr. não considera-o importante para a economia?
Obrigado!
Ótima colocação.
Dr. Stephen então aceito doação de todos os seus livros hahaha, já que não é útil, manda lá pra casa sua biblioteca particular.
Eu gostei, trabalho em uma empresa onde gerencio projetos e consequentemente pessoas, contratar pessoas que pensam com originalidade é muito difícil.
venho usando seus textos em uma disciplina de pós graduação que ministro no ICB/USP para a formação de docentes de 3o. grau. São médicos, biólogos, jornalistas, engenheiros, dentistas, enfim profissionais que muitas vezes não estiveram em contato com a licenciatura e possivelmente estarão como professores em sala de aula, principalmente no 3o grau. Gosto de usar os seus textos como “provocações” (Vamos acabar com as notas!) ou mesmo como propostas inovadoras que os fazem refletir sobre a sua própria formação e como encaminhar o ensino gerando aprendizagem e não apenas repetindo teorias ou experiências alheias. Muito obrigada.
Interessante. Fiquei curioso para saber quais foram suas recomendações. Seria, para início de conversa, desquitar da nova e jovem esposa? Rsrsrs