A Favor dos Videogames

 

O cérebro humano é um órgão que absorve quase 25% da glicose que consumimos e 20% do oxigênio que respiramos.

Carregar neurônios ou sinapses que interligam os neurônios em demasia é uma desvantagem evolutiva, e não uma vantagem, como se costuma afirmar.

Todos nós nascemos com muito mais sinapses do que precisamos.

Aqueles que crescem em ambientes seguros e tranquilos vão perdendo essas sinapses, que acabam não se conectando entre si, fenômeno chamado de regressão sináptica.

Portanto, toda criança nasce com inteligência, mas aquelas que não a usam vão perdendo-a com o tempo.

Por isso, menino de rua é mais esperto do que filho de classe média que fica tranquilamente assistindo às aulas de um professor.

Estimular o cérebro da criança desde cedo é uma das tarefas mais importantes de toda mãe e todo pai modernos.

Sempre fui a favor de videogames, considerados uma praga pela maioria dos educadores e pedagogos.

Só que bons videogames impedem a regressão sináptica, porque enganam o cérebro fazendo-o achar que seus filhos nasceram num ambiente hostil e perigoso, sinal de que vão precisar de todas as sinapses disponíveis.

O truque é encontrar ou desenvolver bons videogames, em vez de atacá-los como muitos pedagogos o fazem. Imaginem criar um videogame de aventura na Idade Média, onde as crianças tem de tomar várias decisões éticas.

Videogames de guerra deveriam ser banidos porque de imediato obrigam nossos filhos a tomarem uma decisão ética inaceitável que é destruir o inimigo, nem negociar paz é permitido.

O primeiro videogame que comprei para meus filhos foi o famoso SimCity, um jogo em que você é o prefeito de uma pequena vila, e, dependendo de suas decisões, ela pode se tornar uma megalópole ou não.

Se você for um péssimo prefeito, a população se mudará para a cidade vizinha, e fim do jogo.

Em vez de eleger prefeitos, seria muito melhor se empossássemos o vencedor do campeonato de SimCity em cada cidade.

Um dia eu estava brincando de “prefeito” quando meus filhos de 11 e 13 anos de idade, analisando meu “planejamento urbano” inicial, balançaram a cabeça em desaprovação:

“Tsk, tsk, tsk. Pai, daqui a cinquenta anos você vai dar com os burros n’água”.

Eu, literalmente, caí da cadeira.

Quantos de nós, aos 11 anos, tínhamos consciência de que atos feitos na época poderiam ter consequências nefastas cinquenta anos depois?

Certamente nenhum dos nossos Ministros da Previdência.

Quantos de nós pensaríamos em prever um futuro para dali a cinquenta anos?

A outra lição que me deram com o famoso videogame Mario Brothers foi ainda melhor.

Não tendo a paciência de meus filhos, eu vivia cortando caminho pelos vários atalhos existentes no jogo, quando novamente me deram o seguinte conselho:

Não se pode queimar etapas, senão você não adquire a experiência e a competência necessárias para as situações mais difíceis que estão por vir“.

A frase não foi exatamente essa, mas basicamente dois garotos estavam me ensinando que cada etapa da vida tem seu tempo e aprendizado, e nela não se pode ser um apressado.

No jogo Médico, as crianças aprendem a fazer um diagnóstico diferencial, a pior das alternativas sendo uma apendicite.

Nesses casos, elas têm de operar “virtualmente” o paciente seguindo condutas médicas corretas.

Um dos procedimentos é a assepsia da pele, e ai de quem não escovar o peito do paciente, com o mouse nesse caso, por três minutos, o que é uma eternidade num videogame e para uma criança.

Quem gastasse menos do que isso era sumariamente expulso do hospital por erro médico.

Que matéria ou professor ensina esse tipo de autodisciplina?

Em A-Train, o jogador é um administrador de empresa ferroviária.

A criança tem de investir enormes somas colocando trilhos e locomotivas sem contar com muitos passageiros no início das operações.

Aprende-se logo cedo que uma empresa começa com prejuízo social e tem de ter recursos para suportar os vários anos deficitários.

Aos 12 anos, meu filho mais novo comentou.

Uma empresa tem que ter muito capital de giro inicial para aguentar o tranco“.

Aos 12 anos já tinha noção de que os primeiros anos de um negócio são os mais difíceis, e controlar o capital de giro é essencial. Pena que Eike Batista não jogou A-Train.

Avaliar riscos e administrar o capital de giro, nem grandes empresários sabem fazer isso até hoje.

Como em tudo na vida, é necessário ter moderação nas horas devotadas ao videogame.

Mas ele é uma ótima forma de estimular o cérebro da criança e impedir sua regressão sináptica, além de ensinar planejamento, paciência, disciplina e raciocínio, algo que nem sempre se aprende numa sala de aula.

 

Editora Abril, Revista Veja, edição 1926, ano 38, nº 41, 12 de outubro de 2005, página 22

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Comentários

12 respostas

  1. O senhor escolheu “bem” os jogos: todos eles corroboram sua visão neoliberal de mundo, principalmente o Simcity. Sua analise sobre as sinapses são interessantes, mas esqueceu-se de que os videogames viciam os jovens e os tiram do saudável hábito da leitura.

    1. Vídeo-Game não desestimula a leitura. Falta de incentivo sim. Esta é uma visão preconceituosa dos jogos eletrônicos. Cabe aos pais coordenar o tempo e incentivar desde cedo a leitura.

    2. Inacreditável um comentário deste naipe em 2013, com ideias de 1970. “Corroborar Visão Neoliberal”? sério? o que jargões petistas / socialistas têm a ver com o assunto? fora que “viciar” e afastar da leitura? em que mundo vives? talvez a geração que mais jogou videogames na vida foi aquela que fez J.K Rowling e mais uma porção de autores milionários com seus best sellers, algo que nem a minha (nem possivelmente a tua) geração conseguiu fazer.

      1. Lendo JK Rowling? Que grande “avanço extraordinário” para uma geração que nunca ouviu falar de Kafka, Borges, Camus, Tolstoi, etc. Se esta constatação sua for indício de avanço, sinceramente. Ideias da década de 70? Ora o neoliberalismo se popularizou nas décadas de 80 e 90, depois da série de crises que causou (incluindo a de 2008) não tem mais fôlego nenhum, a não ser entre minorias de intelectuais de direita. Aliás, a “democracia” é um conceito grego do século V AC. Vamos deixá-la de lado também? Ler “BESTA-SELLERS” torna alguém culto?

        1. Boa então, intelectual! Aposto que tu deves ter iniciado tua leitura, ainda jovem ou adolescente com Kafka, Camus, Tolstoi entre outros pensadores. Parabéns, mas o mundo “de verdade” não funciona deste jeito, e dar um livro destes a uma criança beira o ridículo, estúpido, quanto mais incentivar uma criança a ler algo deste nível. É um dos motivos que hoje, muitos jovens e adultos afirmarem não gostar de ler, ou não tem o hábito de leitura. Por que? porque algum “intelectual” na escola ou em alguma prova de vestibular, obrigou a ler uma dessas obras sem apelo algum ao público jovem.

          Ler best sellers não torna ninguém culto, nem ler qualquer autor citado por ti pode tornar uma pessoa despreparada ou sem interesse neste tipo de leitura ou assunto.

          “Neo Liberalismo” é um termo criado por seus opositores, notadamente socialistas ou críticos ao sistema, e um pouco de história às vezes é bom, o “Thatcherismo” bem como o as reformas de Pinochet inciaram na década de 70. Alguém “culto” deveria saber disto ao menos.

          1. Pinochet inaugurou as reformas neoliberais (ou monetaristas, ou ortodoxas, etc, tanto faz o nome) mas não foi o responsável por sua popularização. Tatcher e Reagan nos anos 80 é que conseguiram o feito. Não aconselho orientar Kafka a crianças, mas o teu argumento é que Bestsellers são indício de evolução intelectual. Pura bobagem. O debate é sobre videogames.

          2. Não! releia o que escrevi. A geração que mais jogou videogames em sua infância é a que moveu o mercado gerando best sellers. Algo que nem a tua nem a minha geração conseguiram, jogando menos ou nem jogando. Como uma ação pode atrapalhar ou excluir a outra, conforme tua afirmação anterior? Videogames ou literatura pouca ou nenhuma relação tem entre si.

  2. Eu acrescento como ótimos jogos os da série age of empires, pelas informações sobre história, e treinamento em economia, administração, estratégia, etc.

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