Uma Aula com Delfim Netto na FEA

Quando ainda aluno na FEA assisti uma aula do Prof. Delfim Netto, que foi enigmática e explica o crescimento do socialismo no Brasil, e a estagnação de nosso crescimento por 50 anos.

O livre mercado proposto pelos liberais é uma falácia.”

“Imaginem a confluência da Avenida São João e a Avenida Ipiranga, se os ideais liberais prevalecessem.”

“Seria um caos.” 

“O livre mercado, como o livre trânsito, não funciona”.

“Todos os grandes cruzamentos das cidades, como da nossa economia, precisam de um “guarda de trânsito”, para orientar, intervir e disciplinar o mercado.”.  

“Os liberais acreditam que motoristas espontaneamente, irão criar alguma regra tipo 4 minutos para cá, 5 minutos para lá, ou que um motorista abnegado irá largar o seu carro por meia hora e dirigir espontaneamente o tráfego.

 Ingenuidade de Hayek, Milton Friedman e Adam Smith.”

“Por isto, vocês meus alunos precisamos tomar o poder, pelo menos os principais cruzamentos estratégicos desse país.”

“Esta é a nossa missão como economistas, cuidar de todos os grandes cruzamentos da Economia Brasileira, para que possamos evitar esses congestionamentos e o caos criado pelo do mercado.”

Precisamos tomar o poder do BB, Vale, Cacex, Tesouro, BNDES, CVM, Ministérios da Economia, Saúde e Educação, Sudene, Banco do Nordeste, Banco Central e A Própria Presidência da  República,  sermos os guardas do crescimento econômico, nas nossas mãos, e não na mão de motoristas abnegados.”

Os alunos saíram radiantes, eu inclusive, era um futuro promissor e poderoso.

Delfim, que era um Socialista Fabiano mas só agora admite,  estava não somente dando poder a um grupo de jovens, mas com um sentido humanitário e altruísta, que todo jovem adora. 

Poder para serem úteis para a sociedade, evitando o caos do livre mercado, proposto pelos economistas ingleses e americanos, que todos tinham que estudar na faculdade.

Até eu, futuro administrador, achei a lógica do Delfim muito convincente.

Na época havia o Socialismo e o Comunismo que defendiam tomar todas as ruas de um país.

Mas este brilhante economista defendia tomar somente os cruzamentos estratégicos, e convenceu o governo militar a fazer o mesmo.

Com a ida do Delfim ao Governo Militar, esses seus alunos rapidamente aceitaram todos os convites e convenceram os militares a não convocar eleições em 1966.

Os adeptos do Delfim foram tomando praticamente todos os cruzamentos chaves da economia brasileira. 

Criaram Agências Reguladoras para cada setor da economia, temos guardas de trânsito em tudo o que é lugar.

O aparelhamento do Estado não começou com o PT, começou com Delfim, e seus alunos muitos estão no poder até hoje.

Delfim levou os famosos Delfim Boys, economistas escolhidos a dedo para serem os “guardas” da economia. 

Os socialistas Fabianos achavam que o socialismo na mão do proletariado não funcionaria, o que de fato não funcionou.

Mas na mão de professores inteligentes como Afonso Pastore, Arminio Fraga, Aloysio Mercadante, Pérsio Arida, estrategicamente colocados funcionaria sem chamar muita atenção.

Os Militares deixaram o poder mas a estratégia do Delfim se mantém até hoje.

 De 1965 a 1984, todos os presidentes do BNDES eram engenheiros, que sabiam avaliar os enormes projetos de infraestrutura deste pais.

De 1984 para cá tivemos 25 economistas escolhidos pelo Projeto Delfim, a maioria nunca tendo sido nem gerente de Banco.

Fiquei fora do país por três anos cursando a Harvard Business School, e quando voltei percebi por acaso, a falácia do Delfim.

Entre a minha casa e a USP, onde voltara a ser professor, havia 35 cruzamentos estratégicos.

34 controlados por um simples semáforo, que possuía uma regra, uma lei pré determinada.

Mas tinha um único cruzamento na Praça da Árvore, Rebouças com Avenida do Jóquei, que era controlado por um “guarda de trânsito”.

Era a mais  demorada e imprevisível justamente porque tinha um “economista no poder”.

Ficávamos 4 minutos para atravessar a rua, quando na maioria dos semáforos era de 30 segundos.

Aí percebi porquê.

Depois de algum tempo o guarda se enchia.

Ser guarda de trânsito deve ser a profissão mais chata do mundo. 

Logo, o guarda percebia que “dar preferência para alguns”, era uma forma de poder.

E dito e feito.

Quantas vezes a gente percebia que a Rebouças já estava vazia, mas o “guarda” chamava um táxi solitário, e mantinha o sinal até ele poder passar. 

E o táxi passava sorridente, agradecendo o favor recebido. 

E de favores em favores, o Delfim ficou cada vez mais poderoso e foi o Tsar da Economia por muito tempo.

Como todos nós sabíamos desta regra, depois de 1 min e 45 segundos já engatávamos a primeira marcha e prestávamos atenção.

Mas com economistas no poder, nunca sabíamos o que poderia acontecer.

Um congelamento, uma maxi, um sequestro de todo o nosso dinheiro no Banco, um imposto retroativo, enfim.

A partir de  1965 o Brasil se tornou um dos países mais instáveis do mundo.

José Serra, outro socialista fabiano, calculou que nos últimos 50 anos a política econômica mudou nada menos que 164 vezes.

Nós administradores, em vez de colocar um administrador em cada cruzamento estratégico da economia, e morrer de tédio, teríamos há muito tempo colocado semáforos inteligentes.

Que pasmem, graças a Delfim, ainda não temos. Não faz parte de nossa cultura aprender lentamente o fluxo de tráfego do momento e ir mudando a regra conforme o mercado. 

Empresas administradas são exatamente isto.

Criamos sistemas que andam sozinhos, que aprendem e se adaptam espontaneamente a mudanças de mercado. 

Esta é a grande diferença entre Administração e Economia.

Hoje temos os resultados.

Uma economia 50% centralizada, parada, personalista, corrupta, que depende de favores e incentivos dos “guardas estratégicos”. 

Pior, temos uma economia cheia de gargalos. 

Gargalos nos aeroportos, energia, estradas, educação, hospitais, falta tudo e temos filas para tudo. 

Temos congestionamentos e filas, justamente naqueles pontos tomados pelo “Projeto Delfim”.

Delfim faleceu ontem, mas seu legado continuará firme por mais 50 anos.

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Comentários

11 respostas

  1. Muito comum no Brasil supervalorizar quem se foi…Digo sobre o ponto de vista intelectual e não sobre o indivíduo que quase sempre desconheço.

  2. Muito bom Steve! Nunca tinha avaliado por este ângulo. A gente pensa nos anos de crescimento de 10% aa (que a China nos copiou), da atração da poupança externa para o desenvolvimento já que não tínhamos suficiente. Tudo isto estilhaçado pela crise do Petroleo e subsequente crise da dívida externa.
    Não fosse a crise talvez o seu modelo fosse se liberalizando e o resultado teria sido menos traumático.

  3. Se escreveu em 2006, deveria dar uma atualizada, já que das 164 mudanças econômicas, hoje estamos na mesma desde a consolidação do Plano Real. Mais de 35 anos.
    Metas de Inflação, Superávit primário e Cambio Flutuante.

  4. Infelizmente esse socialismo ( de gente que tem seu salário todo final de mês garantido ) é que está querendo governar todo o mundo . Eles só escondem, é de onde vai vir o dinheiro !

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O livre mercado proposto pelos liberais é uma falácia.”

“Imaginem a confluência da Avenida São João e a Avenida Ipiranga, se os ideais liberais prevalecessem.”

“Seria um caos.” 

“O livre mercado, como o livre trânsito, não funciona”.

“Todos os grandes cruzamentos das cidades, como da nossa economia, precisam de um “guarda de trânsito”, para orientar, intervir e disciplinar o mercado.”.  

“Os liberais acreditam que motoristas espontaneamente, irão criar alguma regra tipo 4 minutos para cá, 5 minutos para lá, ou que um motorista abnegado irá largar o seu carro por meia hora e dirigir espontaneamente o tráfego.

 Ingenuidade de Hayek, Milton Friedman e Adam Smith.”

“Por isto, vocês meus alunos precisamos tomar o poder, pelo menos os principais cruzamentos estratégicos desse país.”

“Esta é a nossa missão como economistas, cuidar de todos os grandes cruzamentos da Economia Brasileira, para que possamos evitar esses congestionamentos e o caos criado pelo do mercado.”

Precisamos tomar o poder do BB, Vale, Cacex, Tesouro, BNDES, CVM, Ministérios da Economia, Saúde e Educação, Sudene, Banco do Nordeste, Banco Central e A Própria Presidência da  República,  sermos os guardas do crescimento econômico, nas nossas mãos, e não na mão de motoristas abnegados.”

Os alunos saíram radiantes, eu inclusive, era um futuro promissor e poderoso.

Delfim, que era um Socialista Fabiano mas só agora admite,  estava não somente dando poder a um grupo de jovens, mas com um sentido humanitário e altruísta, que todo jovem adora. 

Poder para serem úteis para a sociedade, evitando o caos do livre mercado, proposto pelos economistas ingleses e americanos, que todos tinham que estudar na faculdade.

Até eu, futuro administrador, achei a lógica do Delfim muito convincente.

Na época havia o Socialismo e o Comunismo que defendiam tomar todas as ruas de um país.

Mas este brilhante economista defendia tomar somente os cruzamentos estratégicos, e convenceu o governo militar a fazer o mesmo.

Com a ida do Delfim ao Governo Militar, esses seus alunos rapidamente aceitaram todos os convites e convenceram os militares a não convocar eleições em 1966.

Os adeptos do Delfim foram tomando praticamente todos os cruzamentos chaves da economia brasileira. 

Criaram Agências Reguladoras para cada setor da economia, temos guardas de trânsito em tudo o que é lugar.

O aparelhamento do Estado não começou com o PT, começou com Delfim, e seus alunos muitos estão no poder até hoje.

Delfim levou os famosos Delfim Boys, economistas escolhidos a dedo para serem os “guardas” da economia. 

Os socialistas Fabianos achavam que o socialismo na mão do proletariado não funcionaria, o que de fato não funcionou.

Mas na mão de professores inteligentes como Afonso Pastore, Arminio Fraga, Aloysio Mercadante, Pérsio Arida, estrategicamente colocados funcionaria sem chamar muita atenção.

Os Militares deixaram o poder mas a estratégia do Delfim se mantém até hoje.

 De 1965 a 1984, todos os presidentes do BNDES eram engenheiros, que sabiam avaliar os enormes projetos de infraestrutura deste pais.

De 1984 para cá tivemos 25 economistas escolhidos pelo Projeto Delfim, a maioria nunca tendo sido nem gerente de Banco.

Fiquei fora do país por três anos cursando a Harvard Business School, e quando voltei percebi por acaso, a falácia do Delfim.

Entre a minha casa e a USP, onde voltara a ser professor, havia 35 cruzamentos estratégicos.

34 controlados por um simples semáforo, que possuía uma regra, uma lei pré determinada.

Mas tinha um único cruzamento na Praça da Árvore, Rebouças com Avenida do Jóquei, que era controlado por um “guarda de trânsito”.

Era a mais  demorada e imprevisível justamente porque tinha um “economista no poder”.

Ficávamos 4 minutos para atravessar a rua, quando na maioria dos semáforos era de 30 segundos.

Aí percebi porquê.

Depois de algum tempo o guarda se enchia.

Ser guarda de trânsito deve ser a profissão mais chata do mundo. 

Logo, o guarda percebia que “dar preferência para alguns”, era uma forma de poder.

E dito e feito.

Quantas vezes a gente percebia que a Rebouças já estava vazia, mas o “guarda” chamava um táxi solitário, e mantinha o sinal até ele poder passar. 

E o táxi passava sorridente, agradecendo o favor recebido. 

E de favores em favores, o Delfim ficou cada vez mais poderoso e foi o Tsar da Economia por muito tempo.

Como todos nós sabíamos desta regra, depois de 1 min e 45 segundos já engatávamos a primeira marcha e prestávamos atenção.

Mas com economistas no poder, nunca sabíamos o que poderia acontecer.

Um congelamento, uma maxi, um sequestro de todo o nosso dinheiro no Banco, um imposto retroativo, enfim.

A partir de  1965 o Brasil se tornou um dos países mais instáveis do mundo.

José Serra, outro socialista fabiano, calculou que nos últimos 50 anos a política econômica mudou nada menos que 164 vezes.

Nós administradores, em vez de colocar um administrador em cada cruzamento estratégico da economia, e morrer de tédio, teríamos há muito tempo colocado semáforos inteligentes.

Que pasmem, graças a Delfim, ainda não temos. Não faz parte de nossa cultura aprender lentamente o fluxo de tráfego do momento e ir mudando a regra conforme o mercado. 

Empresas administradas são exatamente isto.

Criamos sistemas que andam sozinhos, que aprendem e se adaptam espontaneamente a mudanças de mercado. 

Esta é a grande diferença entre Administração e Economia.

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Pior, temos uma economia cheia de gargalos. 

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