Patrimônio Líquido Nacional

A ciência econômica nunca se interessou pelo conceito de patrimônio líquido, utilizado por todos os contadores, analistas e administradores quando avaliam o desempenho das empresas.

Para medir o desempenho de um país, preferiu-se usar o conceito de produto interno bruto, aquilo que se produziu durante o ano avaliado.

Tanto faz se o produto dura um mês ou vinte anos para ser incluído no PIB.

Tanto faz para um economista quantos meses duram sapatos, casas, imóveis, celulares, TVs, computadores, eletrodomésticos, carros, calçadas, estradas, pontes, prédios, vidros, tinta etc. que entram no cálculo do PIB.

Riqueza, sob essa definição, é quanto uma geração gasta por ano, e não quanto se deixa de herança para a próxima geração.

Se usássemos o conceito de patrimônio líquido nacional, saberíamos por exemplo que o país A, que fabrica produtos que duram cinco anos, é cinco vezes mais rico do que o país B, que fabrica produtos que duram somente um ano.

Porém, para o FMI esses dois países são rigorosamente iguais.

Talvez seja por isso que o Brasil não se preocupa com qualidade total, durabilidade e confiabilidade, tão discutidas em administração.

Para que incentivar serviços públicos de qualidade, por exemplo, se entram no PIB do mesmo jeito?

Nossas estradas são feitas para durar só quatro anos, para que se necessite tapar buracos depois, aumentando duplamente o PIB?

Os três livros de introdução à economia mais usados no mundo nem incluem a palavra durabilidade no índice remissivo.

Não é considerada uma variável econômica, como juros e câmbio, analisados exaustivamente em capítulos inteiros dedicados ao assunto.

Tanto é que os governos de 1964 para cá criaram dezenas de “incentivos” para produzir no Nordeste, para “substituir importações”, para “exportar o que importa”.

Nunca criaram incentivos fiscais para aumentar a durabilidade dos produtos que fabricamos, o que para um país pobre seria uma importante solução.

Nossos desenvolvimentistas nunca lutaram pelo financiamento de casas usadas, que os mais pobres poderiam comprar, porque imóvel usado não entra no PIB pelo qual eles são avaliados.

As geladeiras de nossos avós duravam vinte anos, até que inventaram a chamada “obsolescência programada“, obrigando os consumidores a comprar uma nova geladeira a cada cinco anos, o que aumenta o PIB, mas reduz violentamente o patrimônio nacional.

Países ricos, local de origem dessas teorias, incentivam a obsolescência programada porque neles o consumidor já tem tudo.

Eles precisam achar um jeito de o consumidor jogar fora o produto antigo, comprar um novo e assim aumentar o PIB.

Pobre não quer nada disso; pobre quer durabilidade, qualidade e confiabilidade para não ter de comprar a mesma coisa duas ou mais vezes na vida. Ele quer uma geladeira que dure, que possa ser revendida como usada sem perder metade do valor e que tenha peças de reposição disponíveis por vinte anos.

Lutar por uma melhor distribuição de renda no Brasil para que pobres possam em seguida comprar produtos descartáveis não resolverá o nosso problema da pobreza.

Será que ninguém percebe essa contradição?

Se calculássemos o patrimônio nacional descobriríamos que nosso patrimônio líquido não pára de cair com os direitos e dívidas criados pela Constituição de 1988.

Que esta geração está longe de deixar um patrimônio para seus filhos, mas deixará uma monstruosa dívida pública e atuarial. Talvez por isso ninguém ouse calculá-la.

Criamos uma economia mundial que incentiva produtos descartáveis, criamos uma sociedade consumista, predadora e destruidora, tudo isso para maximizar o PIB.

O endeusamento do PIB e do pleno emprego como meta política é a causa do aquecimento global, da destruição da ecologia, do desmatamento florestal, da poluição global e do crescimento exponencial do lixo.

Não estou defendendo o fim do cálculo do PIB.

Estou somente conclamando a nova geração de acadêmicos a não “maximizar” o PIB sem maximizar o patrimônio nacional e a riqueza de uma nação, critério de mensuração que seus professores nunca usaram nem se esforçam em ensinar.

É uma falha científica e social que precisa ser corrigida, e quanto antes melhor.

Revista Veja, edição 1943, ano 39, 15 de fevereiro de 2006, página 20

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