Queremos Ser Índios Novamente

 

Antes da descoberta do Brasil, um índio que quisesse fazer uma canoa, derrubava uma árvore e no final de um mês de trabalho teria sua canoa novinha em folha.

Um brasileiro que quiser uma canoa, não terá a mesma sorte.

Para facilitar o raciocínio, vou supor que você esteja empregado numa indústria de canoas no Amazonas e que após um mês de trabalho, talhando a mesma árvore do nosso índio, receba 1.000 reais de salário.

Descontados 15% de imposto de renda e 8% de contribuição social, o salário se reduz para 770 reais.

No final do mês você entra na loja de fábrica disposto a comprar a própria canoa que fabricou e negocia com seu patrão:

“Sendo da casa, não vou cobrar o custo da matéria prima, só sua mão-de-obra.

Seu salário foi de 1.000 reais, que, acrescido de 50% de encargos sociais, soma 1.500.

Tem mais 11% de IPI, 22% de ICMS, tem PIS, COFINS e mais 58 taxas e tributos, um total de 2.200 reais.

Tem ainda 5% do meu lucro, igual à média brasileira, e o barco é seu pela bagatela de 2.310 reais”.

Você olha seu salário de 770 reais e percebe que não comprará sua canoa nunca, porque ela custa três vezes seu salário por causa dos impostos.

O Brasil está numa canoa furada não pela ganância do capital, mas pela carga tributária do governo, que praticamente consome 65% do valor adicionado do produto, já que não incluímos a matéria prima, como foi neste caso.

Isso explica por que o capitalismo está acabando e desempregando.

Só sobrevivem a área de serviços e a economia informal.

Karl Marx deve estar revirando na cova ao constatar que no Brasil quem explora o trabalhador não são os 5% da ganância dos capitalistas que supriram a ideia e o capital e sim os 65% de impostos do Estado.

Esse exemplo, embora simplificado, permite também explicar as verdadeiras razões da má distribuição da renda no país.

Nossa produção só pode ser vendida se existirem consumidores que ganhem três vezes mais do que aqueles que produzem.

Quem ganha 770 reais não consegue comprar o produto de seu trabalho.

Sua canoa e seu salário depende de alguém que ganhe 2.310 reais para que seja vendida e seu salário efetivamente pago.

Você por sua vez só consegue comprar os produtos elaborados por quem ganha 260 reais.

Se as diferenças entre salários diminuíssem, ocorreria uma melhoria na distribuição de renda, mas a produção não escoaria, porque não haveria renda suficiente para comprá-la.

Tudo por causa da enorme carga dos impostos.

Não é o sistema capitalista que precisa de uma má distribuição de renda. É o sistema governamental.

Se a reforma tributária não reduzir drasticamente os impostos, de preferência pela metade, continuaremos com a pior distribuição de renda do mundo, desemprego, exclusão social e violência.

Nenhuma das propostas de reforma começou com a questão fundamental: discutir as funções do Estado moderno, para depois discutir quais os impostos necessários para pagar a conta.

Algo me diz que a reforma tributária aumentará ainda mais nossa carga tributária e não propiciará uma redução, como se imagina.

Não é à toa que, de todos os grupos residentes no Brasil, os que têm de longe a melhor distribuição da renda são justamente os índios. Os que não pagam impostos, e no final do mês têm as canoas que produziram.

 

Editora Abril, Revista Veja, edição 1604, ano 32, nº 26, 30 de junho de 1999, página 21

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Comentários

10 respostas

  1. Sr. Kanitz. Sou admirador de seus textos (não perco um de seu blog), mas é necessário uma pequena observação:
    O seu texto é de 1999 e por isso, é possível que naquela época, quem ganhasse R$ 1000,00, pagasse 15% de IR, entretanto, seria pertinente atualizar os valores do texto, visto que hoje não incidiria IR sobre o valor de R$.

  2. Só não entendo como uma canoa fabricada aqui e exportada para o México (ou Argentina) seja vendida lá por um preço mais baixo do que aquele pago por deficientes físicos que são beneficiados por isenções de impostos.

  3. Um amigo meu administrador, à época do artigo já brincava com a brutal carga que até aumentou de lá para cá.
    Embora todos já tenham ouvido, indicava bem o mau uso dos impostos no Brasil. Seria a mudança do nome do país para BELÍNDIA; Impostos como da Bélgica e serviços para o povo como da Índia!!!
    Alguma mudança houve. Os impostos no Brasil aumentaram, e os serviços na Índia melhoraram. Comemore-se aquí o aumento da renda das classes C e D.
    Bem lembrado Kanitz!!!!

  4. Definitivamente as sociedades indígenas são muito mais desenvolvidas que as nossas com nossos aparelhos de LCD, IPAD etc. etc.
    Os índios são iguais, todos tem funções na aldeia, não são contaminados por governantes corruptos, favorecimentos e outras tantas mazelas dos “brancos”
    Talvez fosse uma saída para tantas desigualdade de hoje voltarmos para uma “sociedade indígena”.
    Jayme Filho – Adm Empresas.

  5. Melhor usar uma curva do que “reduzir drasticamente pela metade” já que não seria correto bens superfluos (importados ou não)pagarem a mesma alíquota que demais bens básicos (e ai começa a confusão..rs)

  6. olha Jayme, vc esta com a visão sobre comunidades indígenas um pouco “romantica ” demais, pois eles estão tão ou mais corrompidos do que os “brancos”!! inclusive com favorecimentos e “outras mazelas”. Infelizmente é a realidade……

  7. Supondo que vc esteje no Brasil e a Canoa custe R$ 2.310,00. O Empresário consegue vende-la por R$ 4.620,00. Basta parcelar em 48 vezes sem juros de R$ 96,25.
    Pronto, problema resolvido e td mundo feliz.

  8. Não se precisa ver “material escolar” ou qualquer bem basico. A carga sobre eles é alta. Por isso uma curva. Aliquota maior para itens superfluos ou de peso alto na balança e menor aliquota para bens de consumo de menor valor.Com implementação de cotas de importação.

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