Fui às Páginas Amarelas da edição eleição FHC, e o que escrevi há 18 anos mostra como ideias demoram para serem aceitas no Brasil.
Se você é um jovem revolucionário, leia e se acalme.
Quem não tem paciência no Brasil não sobrevive.
Relendo agora, até eu havia esquecido de algumas bandeiras, que precisam ser retomadas, não mais por mim.
VEJA — O que se pode esperar do Brasil de Fernando Henrique Cardoso?
KANITZ — O futuro governo vai ter a sorte de pegar um país em franco crescimento.
Muito antes das eleições e do sucesso do Plano Real, a economia brasileira já vinha dando sinais de retomada do crescimento.
No ano passado, o país cresceu 5%. Deve repetir a dose este ano.
A grande tarefa do novo presidente será manter o barco no rumo certo.
VEJA — A recessão acabou?
KANITZ — Acabou.
Há claros sinais de que a economia está entrando numa fase de crescimento acelerado. Será um ciclo prolongado e mais sólido que o milagre brasileiro da década de 70.
Se ninguém fizer nenhuma grande besteira, (e foi feita infelizmente) deverá durar pelo menos até o ano 2005.
Esse país já está aí, pronto para crescer.
A vantagem é que agora temos mais uma precondição para o crescimento: um presidente com excelente trânsito internacional.
VEJA — Qual é a vantagem de ter um presidente com trânsito internacional?
KANITZ — Num mundo globalizado, é vital que um presidente saiba como funciona o quebra-cabeça internacional. Fernando Henrique tem essa virtude.
Depois da moratória do Funaro, no governo Sarney, o mundo tirou o Brasil do mapa.
Corríamos o risco do completo isolamento, do ponto de vista de tecnologia e dos financiamentos internacionais.
O Brasil volta agora ao cenário mundial.
VEJA — O senhor quer dizer que o novo governo terá poucos problemas pela frente?
KANITZ — Não estou dizendo que todos os problemas brasileiros estão resolvidos.
Mas acho que os três motivos que puseram o Brasil de joelhos e estancaram nosso crescimento na década passada já não existem mais.
Até o ano passado, as forças do mal estavam puxando o Brasil para baixo.
Hoje, os pontos positivos da economia brasileira já são superiores a todos os problemas.
VEJA — Que problemas foram esses?
KANITZ—O primeiro foi a dívida externa.
Sem que ninguém se desse conta, a nossa dívida foi corroída em quase 40% pela inflação americana. ( Mais um erro nominalista que ninguém percebeu. Foi por isto que o Lula pode “saldar a dívida”.)
Em 1982, ela representava 56% do produto interno bruto brasileiro. Hoje, não passa de 16%.
VEJA — E os outros problemas?
KANITZ — O barril do petróleo, que, em valores atuais, chegou a custar 55 dólares em 1981, agora custa apenas um terço desse valor, entre 16 e 18 dólares.
Além disso, os juros internacionais, que bateram em 21% em agosto de 1981, estão hoje em 4,5%, ao ano.
Tudo isso é muito bom para o Brasil.
VEJA — Por quê?
KANITZ — Hoje sobra dinheiro no mercado internacional.
Os fundos de pensão americanos precisam de uma rentabilidade de 6% ao ano para honrar seus compromissos previdenciários, mas conseguem captar, quando muito, 3,5% no mercado interno.
Então, são obrigados a investir nos países de economia emergente, como o Brasil.
Com as contas em dia e dinheiro barato no mercado internacional, o Brasil poderá voltar a contrair empréstimos para crescer.
VEJA — É um bom negócio o país endividar-se novamente?
KANITZ — Sim, se os juros forem baixos. Ruim é endividar-se a juros estratosféricos.
Para crescer, um país precisa de fontes de financiamento.
No começo do século era inconcebível que um país financiasse o crescimento de outro, um inimigo em potencial.
A arrancada do crescimento das economias inglesa e americana dependeu unicamente da poupança interna e da exploração da própria mão-de-obra desses países.
Hoje ficou tudo mais fácil.
Isso permite ao Brasil, que começou seu esforço de desenvolvimento cinquenta anos mais tarde que os Estados Unidos e a Inglaterra, dar saltos de crescimento. (Sem explorar a sua própria mão de obra para obter recursos de investimento como fizeram os ingleses e que resultou na análise Marxista, que no nosso caso seria equivocada. Podemos usar a poupança de países desenvolvidos, algo que os que decretaram a Moratória não perceberam.)
VEJA — E quem garante que, depois de ter tantos problemas com a dívida brasileira os Bancos internacionais voltarão a nos emprestar dinheiro?
KANITZ — O dinheiro desta vez virá de fundos de pensão, e não de bancos.
Nossa tarefa agora é fazer o marketing correto do Brasil lá fora.
Com as reservas cambiais que acumulamos, de 40 bilhões de dólares no bolso, não será difícil recuperar a credibilidade financeira internacional.
(Aqui deu zebra. Gustavo Franco literalmente torrou as nossas reservas para tentar salvar a sua política cambial, a banda lateral exógena, como era conhecida na época.)
VEJA — Se uma pessoa com R$ 50.000,00 lhe pedisse conselho sobre investimento, o que o senhor diria?
KANITZ — O fim da crise produz um fenômeno imediato muito interessante. As pessoas vão passar a se tratar bem.
Com um pouco mais de dinheiro no bolso, elas vão fazer tudo aquilo que vinham adiando até agora.
Por isso, um dos mercados que vai crescer muito é o dos pequenos prazeres.
Coisas como turismo de curta duração, restaurantes, roupas e o que os psicólogos chamam de autogratificação.
É o tipo de consumo que o sujeito faz no primeiro mês que recebe aumento, uma espécie de compensação por todo o aperto que fez no tempo em que o orçamento era curto.
Então, se alguém quiser abrir uma empresa hoje, eu aconselho a entrar nesse setor, no qual prosperam milhares de franquias.
VEJA — O que vem depois de satisfeitos esses pequenos prazeres?
KANITZ — Depois disso vêm as coisas que se compram a crédito, quando se tem certeza de que o salário está garantido o ano inteiro.
Aí chega o momento da grande tacada, a hora de dar a entrada para a compra da casa própria ou do carro novo.
Isso também já está ocorrendo.
6 respostas
Perfeito professor!
Lembro deste artigo como se você hoje!
A clareza e as colocações pontuais mostram a capacidade de raciocínio do Kanitz, que só cego não vê.
Esta frase “Quem não tem paciência no Brasil não sobrevive” deve se tornar um slogan! Por vezes, o próprio Kanitz deve relê-la, pois quem tem sangue nas veias, vez por outra, fica impaciente com o nosso país. 🙂
Professor Kanitz: Tudo bem que ter paciência é fundamental, porém, diga-me com tudo isso porque nosso combustível ainda é o mais caro do mundo. E os juros também? Nunca entendi esse mecanismo da economia brasileira.Obrigado
Fernando,
Obrigado pelo comentario
Professor essa questão da banda cambial pode ter atrapalhado o crescimento do Brasil como o senhor já comentou em outras oportunidades no blog, agora as reservas cambiais atingiram 75 bilhões de dólares em abril de
98, isso em valores atuais equivale a mais de 100 bi de dólares. Então se houve erro foi na política cambial e não na ausência de reservas no final dos anos 90.
Quanto a questão dos fundos de pensão, as tais velhinhas americanas, seria interessante você comentar num futuro artigo como o Brasil poderia aproveitar nos dias de hoje o dinheiro barato delas sem o intermédio dos bancos, se avaliar quais setores poderiam se beneficiar.
Caramba, o professor acertou quase tudo, parabéns, manja mesmo do assunto! Sou seu seguidor.