Por Que Não Temos Ordem Nem Progresso

Um dos modismos em administração de empresas na década de 80 foi a criação da “missão da empresa” e das “cartas de princípios”, que você encontra incrustadas nas paredes da maioria das salas de recepção das grandes empresas.

Algumas têm cinco pontos básicos, outras chegam a ter doze.

A “missão” mais antiga que eu conheço tem 1000 anos e pertence a uma entidade beneficente, a Ordem dos Cavaleiros da Cruz de Malta, “obsequium pauperum“, servir aos pobres, uma missão que se mantém até hoje.

O Brasil é um dos poucos países do mundo que possuem uma “carta de princípios”, nisto somos administrativamente inovadores.

Nossa carta de princípios reza “Ordem e Progresso”, nesta ordem, o lema positivista de Auguste Comte gravado em nossa bandeira.

Ordem é a precondição para todo progresso“. “Ordem por base, progresso por fim”, diz Comte em seu “Cours de Philosophie Positive”.

Boa parte das políticas econômicas de Getúlio Vargas, fã de Auguste Compte, dos Governos Militares, de Fernando Henrique Cardoso e Pedro Malan, seguiram o lema positivista de manter a casa em ordem, sem inflação, por exemplo, como precondição para o progresso.

Temos uma Constituição de mais de 300 parágrafos que põe “ordem” em tudo, ou em quase tudo.

Para abrir uma empresa no Brasil são necessárias dezenas de autorizações prévias para podermos começar tudo em “ordem”.

Nosso lema deixa bem claro que “ordem” vem em primeiro lugar, sem “ordem” não há progresso.

Ricardo Semler, um dos primeiros a escrever um livro de administração no Brasil que se tornou best-seller popular, Virando a Própria Mesa, mostra uma interessante inconsistência.

“Ordem e progresso são incompatíveis”, argumenta Semler.

Progresso, por definição é desordem.

Criatividade é bagunça e confusão.

Basta observar a mesa de um cientista, injustamente chamado de louco por suas atitudes desordeiras.

Ou se escolhe ordem ou se escolhe progresso“, diz Semler.

Eu tenho uma terceira interpretação, que segue a linha de Semler mas é um pouco diferente.

Nossa bandeira deveria conter a frase invertida: “Progresso e Ordem”, no sentido Progresso e depois Ordem.

Depois da bagunça da criação, é necessário ter uma fase mais calma de consolidação.

Todos os cientistas sabem disso.

De tempos em tempos, até eles criam vergonha e arrumam o laboratório.

Progresso primeiro, ordem depois faz mais sentido do ponto de vista operacional.

Quem coloca a sociedade em ordem não são os intelectuais, como nos querem fazer acreditar, mas sim advogados, contadores jornalistas, historiadores, professores.

São eles que ajudam a consolidar os “progressos” feitos pelos cientistas, empreendedores, criadores e revolucionários, sedimentando-os em leis e lições para que o restante da sociedade possa imitá-los.

Até os progressistas mais revolucionários precisam, periodicamente, de um governo mais conservador, para que as mudanças se tornem consagradas, sedimentadas e difundidas.

Quem gera o progresso sem dúvida são os criadores, os inovadores, as pequenas empresas e os pequenos empresários, os artistas que quebram paradigmas, os que destroem a “ordem” e a visão reinante, os que se arriscam e mostram o exemplo.

A desordem dessa fase precisa de uma pausa para respirar e de membros da sociedade preocupados em consolidar as conquistas geradas.

Nosso erro fundamental, portanto, foi inverter o processo.

A ordem sucede ao progresso.

Não o antecede, como reza nossa bandeira.

 

Originalmente Publicado na Revista Veja abril de 2002, página 20. Nada mudou. 

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Comentários

10 respostas

  1. Caro professor, peço desculpas mas criatividade não tem nada haver com desordem na acepção da palavra bagunça empregada por Semler. É uma ferramente dentro processos que atingem resultados. Existe certa ordem (não militar, dentro da lógica de sua própria metodologia), por onde se atinge o progresso, através da inovação.
    Bagunça não atinge resultados talvez explique, contudo, nosso estágio atual.
    Não sei exatamente o que Semler quer dizer com isso, mas com certeza precisa visitar os bancos acadêmicos do MIT, Stanford ou Harvard.
    Grande abraço.

    FL

  2. Professor acho que o tema mecesse discussão. Gostaria de provocar a reflexão com a seguinte pergunta: POde uma organização que representa orçamento equivalente ao fauramento das 500 empresas listas na Revista Exame sobreviver sem sistema de custos?
    Então a reflexão é se podemos ter o progresso sem esabeler a mensuração, considerando que isso de alguma forma representa a ordem.
    Acreditamos que esse tema possa ser objeto da sua reflexão, pois as Universidades podem contribuir nesse processo de estabelecimento dessa ordem.
    Um abraço.

  3. A “misão” mais antiga que eu conheço estava escrita, reza uma antiga lenda, no frontão da Academia de Platão, e dizia: “ninguém que ignore a geometria entre”. Bom, mas o que isso tem a ver com o texto de Kanitz? Tem a ver com a ordenação do pensamento que as ciências (em especial as matemáticas – aritmética, geometria, estereometria, astronomia e harmonia, nesta “ordem”) são capazes de operar, segundo Platão. Sob tal perspectiva, o conhecimento científico seria propedêutico à dialética, que para Platão seria a ciência por excelência, por ser a mais simples e que ordenaria todas as outras. Apenas após a ordenação do próprio pensar seria possível o “progresso”, dos fins aos princípios, e que, uma vez alcançado, retornaria pela via inversa, isto é, dos princípios aos fins.
    Ou seja, me parece que caímos no velho problema do ovo e da galinha. Há progresso que precede a organização, do mesmo modo que parece haver sempre algum nível de organização antes de algum progresso. Talvez o mais importante seja a interação constante entre os dois processos, já que um impulsiona o outro, sem se importar com qual venha primeiro, desde que ambos aconteçam.

    Inté.

  4. tudo é ponte de vista. A realidade é uma só. Qual sua opinião? Qual sua crença? No que quer crer? E daí? Faz Diferença? A vida é o que acontece enquanto fazemos planos! Evolução, evoluir, incertezas ou segurança psicológica, afaçamos sempre.

  5. serei mais minimalista: está ordem e progresso porque o O vem antes do P. agora se fosse possivel mudar, sugeriria “respeite os seus direitos”.

  6. Somos administrados por uma ”quase” totalidade de políticos corrompidos pelo poder. A desordem é totalmente proposital, cria-se um verdadeiro embaraço para que toda a falcatrua seja armada. Copa do mundo está ai como a prova mais fresca possível. Estádios construídos em caráter emergencial, TODOS com o orçamento muito além do planejado. População já sabia desse resultado e aceita sempre passivamente. Ganhamos mais um diploma de trouxa. Sem a ordem jamais existirá o progresso, tem que haver clareza nas contas publicas para que possamos medir os resultados. A missão deveria ser verdade e transparência.!!!!

    1. É complicado afirmar que a população (eu, vc e o resto do brasil) aceita de braços cruzados toda essa roubalheira que acontece, porém, a maioria de nós baderneiros das manifestações, quando saímos às ruas “quebrando tudo”, tentando demonstrar uma revolta e até mesmo causando prejuízos MÍNIMOS comparado a tanta injustiça que sofremos diariamente com pessoas do poder público super faturando contratos e etc, somos irresponsáveis, lamentáveis e ridículos perante o resto do Brasil que aceitam tudo de cabeça baixa. Então é isso, ou vamos para a rua quebrar tudo como foi na época da ditadura e reivindicar melhores condições de governo, ou vamos permanecer com a luta em vão dessas pessoas q lutaram no passado.

  7. Pelo jeito a desordem progressista da esquerda não é nada criativa, uma vez que, ninguém até hoje conseguiu derivar alguma ordem do progressismo que eles pregam.

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