A Razão da Persistência da Inflação
A maioria absoluta das pessoas está convicta de que os índices de preços no Brasil são ligeiramente subestimados.
Uma inflação real de 9% acaba sendo calculada como 8,97% e assim por diante.
Talvez seja por isto que ninguém jamais considerou a possibilidade dos índices de preços, por alguma razão, serem superestimados.
Suponha leitor, por um momento, que esta hipótese seja verdadeira.
Que uma inflação real de 8%, seja publicada como 10%.
Nestas condições, nenhum plano, por melhor que fosse, conseguiria debelar a inflação.
Uma inflação real de 8%, ao ser publicada como 10%, aumentaria o patamar da inflação numa espiral incontrolável.
Além disso, o governo estaria pagando ao longo do tempo um juro real sobre a dívida de 2% acima do necessário, pressionando o deficit e afundando inexoravelmente as finanças públicas.
O diagnóstico porém, seria de que o deficit público é o causador da inflação, não a metodologia de cálculo.
Há algum tempo já se suspeita de que os índices de preços são mal calculados.
Gasta-se em média US$ 20.000 por mês, para se calcular um índice, entre custos de pesquisadores, digitadores etc.
Valor muito baixo para se ter um índice com a segurança e qualidade necessária para a situação brasileira.
Devemos estar perdendo 10% do PIB ou em torno de US$ 50 bilhões de dólares com a ineficiência gerada pela inflação.
Índices onde o custo de elaboração é de somente US$ 20.000 devem conter imprecisões aceitáveis quando a inflação é reduzida, mas extremamente danosas quando a inflação é elevada.
Este arquivo mostra uma das imprecisões que ocorre quando a inflação é elevada e que acarreta uma superestimação da inflação.
Existem dezenas de causas já conhecidas que geram inflação, todas já do conhecimento da nação e já combatidas no passado.
De nada adianta persegui-las se os índices de inflação superestimam a realidade.
Não é difícil imaginar que uma nação, que por alguma razão superestime a inflação, jamais conseguirá debelar esta inflação qualquer que seja o número de planos.
Iremos provar que quando a inflação aumenta, os índices gerais de preços são superestimados.
Quando a inflação cai, os índices são subestimados, existindo portanto uma simétrica.
A razão não é metodológica, mas sim epistemológica.
Os índices são calculados segundo a escola nominalista de economia, que usam valores nominais e não valores reais nos seus cálculos.
O nominalismo não somente é responsável por parte das pressões inflacionárias bem como um aumento desnecessário da taxa real de juros.
A variável que explica a superestimação da inflação no Brasil chama-se prazo de crédito, que é o período de tempo que as empresas industriais concedem aos seus clientes para pagar as suas compras ou duplicatas.
A média no Brasil é de 28 dias, mais ou menos.
Para os nominalistas, o preço a prazo aumenta o índice porque eles usam os valores nominais sem trazer os dados ao seu valor presente na data da coleta do preço.
Os realistas, ao usarem coordenadas reais, não precisam trazer a valor presente porque este procedimento já está embutido na metodologia realista.
No nominalismo econômico, os índices de preços no Brasil acabam captando os preços a prazo, preços que somente serão pagos 28 dias após a coleta de preços.
Isto simplificando ao extremo, significa que os índices de preços acabam incluindo hoje os preços de amanhã.
Se a taxa de inflação for estável, tudo bem.
Mas se a taxa for crescente, a inflação é superestimada e faz com que o patamar da inflação se eleve sem parar.
Se a taxa for decrescente, como ocorre logo após um congelamento, ou depois do Plano Real, a taxa da inflação é subestimada.
O índice de 0% em março de 1986, ou no início do Plano Real eram um mito.
Na realidade a inflação foi de 5%, mas sob o efeito da subestimação, a inflação publicada saiu 0%.
A tabela I ilustra este fenômeno claramente, apesar de ser uma simplificação de como as empresas estabelecem os seus custos de vendas.
Vejamos exatamente o que ocorre num país com aumento de taxa inflacionária.
A inflação, pelas dezenas de razões já apontadas pela literatura, sobe de 1% em novembro para 4,5% no mês de dezembro. Os juros passam de 3% a 6,6% ao mês.
A matéria prima dos fabricantes passa de Cz$ 100 para Cz$ 104,5. Como o prazo de crédito é de 28 dias, as despesas financeiras dependem somente da taxa de juros, e o preço final sai exatamente por Cz$ 110,9.
Apesar da inflação usada neste cálculo de preços ter sido de somente 4,5%, os órgãos divulgadores da inflação irão comparar os preços de Cz$ 102,0 do mês de novembro e Cz$ 110,9 de dezembro e captar uma inflação de 7,9%, superestimando a inflação, que por DEFINIÇÃO foi só de 4,5%.
A bola de neve está montada. A caderneta é em seguida corrigida em 7,9% + 0,5% e o resto da economia também, gerando uma espiral inflacionária sem fim.
Previsão feita em agosto de 1986 para o Plano Cruzado.
Inflação reprimida de 3,5% gera boa parte da inflação do período.
O insucesso do Plano Collor, não esperado pelo Presidente Collor, e por ninguém em tão curto prazo, é explicado por este efeito. O Plano Collor mexeu com as duas variáveis importantes deste fenômeno: A taxa de juros e o prazo de crédito, que de 15 dias antes do Plano, foi para 45 a 60 dias em média, depois do plano.
Era uma única forma das empresas começarem a vender. Isto, pelo exposto, acarretou uma superestimação ainda maior da inflação.
Quanto maior o prazo de crédito, maior a superestimação. Em um segundo momento, o Banco Central aumentou as taxas de juros dentro da linha monetarista.
Veja uma simulação do efeito de um aumento de juros:
A aceleração da inflação nos meses de outubro, novembro e dezembro, que sempre ocorre na economia brasileira, é explicada pelo discreto aumento do prazo de crédito dado pelas empresas no final do ano para incentivar as vendas de Natal, e que a escola nominalista acaba não percebendo porque usa valores nominais independente do prazo de crédito concedido, um verdadeiro absurdo para um economista da escola realista.
Mas por ser uma premissa tão básica de cada escola, é quase impossível criticar um nominalista porque ele enxerga o mundo de forma nominal. Ele jamais admitirá que ele enxerga o mundo de forma equivocada.
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Aumentando o prazo de Crédito
Normalmente antes do Natal o prazo aumenta 4 dias.
No Plano Collor o prazo passou de 15 para 60 dias.
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A simulação do Plano cruzado foi extraída de um relatório elaborado em junho de 1986, para o Ministério do Planejamento, apontado os prováveis rumos do Plano Cruzado, caso a superestimação da inflação não fosse sanada.
O assustador é observar da espiral inflacionária que esta superestimação da inflação brasileira gera, fruto de um único aumento de 3,5% da inflação no mês de Dezembro, que termina em 27,9% no mês de Julho.
A inflação prevista pela simulação e a inflação que realmente ocorreu no período são muito semelhantes.
As simulações que fizemos do Plano Bresser e Plano Verão mostram sempre a mesma coisa: a superestimação da inflação brasileira, é a grande culpada pelo fracasso dos planos, muito mais do que o deficit público, a falta de competitividade ou a margem de lucro.
Sem dúvida, existe uma variável nova que não aparece na literatura econômica americana por duas razões: a primeira, porque a maioria das empresas americanas vende à vista, o comprador é financiado pelos bancos, não pelo vendedor.
Todos os economistas americanos são nominalistas, razão da enorme influência da escola nominalista no Brasil, mas neste aspecto o nominalismo não gera tantas distorções como aqui.
A razão é que as taxas de juros e a inflação nos Estados Unidos são muito baixas, e a superestimação é mínima, especialmente com inflações mais ou menos estáveis, onde diminuições de preços se intercalam com aumentos.
Este fenômeno ocorre especialmente nos países de inflação elevada, como a nossa.
Inflação superestimada em 6 meses = 0.1
Esta superestimação é acentuada depois de um congelamento. O efeito é diretamente proporcional ao salto inicial da inflação pós-congelamento.
E por azar, o salto proporcional de 1% para 3% é muito maior do que o salto de 13% para 14%, por exemplo. Por isto, este fenômeno é particularmente nefasto nos períodos de descongelamento.
Antes dos choques heterodoxos, este fenômeno existia, mas a inflação subia gradualmente embora de forma constante. A próxima simulação mostra porque a superestimação naquela época não era tão transparente.
Inflação superestimada em 6 meses = 7.1
Embora a simulação aponte para uma superestimação de somente 7,1%, a menor até agora com exceção à simulação americana, na realidade o efeito era muito menor, uma vez que o ciclo de indexação na época era semestral e não mensal como agora.
Mesmo assim, em anos de maxi-desvalorizações, os efeitos da superestimação eram bem nítidos.
A título de ilustração, a simulação seguinte mostra que em épocas de inflação declinante o índice é subestimado.
Isto ocorreu e ocorre na inflação seguinte a um congelamento de preços.
Apesar dos aumentos de véspera, a inflação do mês seguinte normalmente é bastante reduzida, contrariando o bom senso.
A causa é a redução dos valores dos preços a prazo, que subestima desta vez o índice geral de preços.
Vejamos o efeito de uma redução do prazo de crédito.
O índice de preços perde parte de seu efeito acelerador, uma vez que os índices se tornam mais próximos da realidade por serem menos superestimados.
Este fenômeno ocorre sempre que a inflação começa a perder controle, quando as empresas por cautela reduzem drasticamente os prazos de crédito.
Esta redução fornece um suspiro de uns dois meses na aceleração inflacionária, algo várias vezes observado na economia brasileira.
Existem diversas soluções para resolver este problema, que como tudo na vida, são relativamente fáceis depois de se detectar o cerne da questão.
Mas sua aceitação e, portanto implantação, é que apresenta grandes problemas porque a maioria dos nossos economistas é da escola nominalista e não da escola realista que contabiliza os dados econômicos pelos seus valores reais e não nominais.
Primeiro, porque implica em mudar o cálculo do índice.
Para quem não está absolutamente convicto do fenômeno, significará manipulação do índice e não adequação do índice à realidade.
Pessoas mais simples, jornalistas e os próprios nominalistas, acreditam que os valores nominais é que são os corretos, apesar de estarem associados a prazos diferentes de crédito.
Calculando-se o índice usando o valor presente dos preços, ou pelo método realista, obteríamos os seguintes resultados:
A inflação seria corretamente calculada, e nas condições atuais se tornaria uma inflação inercial de 4,5%, embora não necessariamente.
Uma vez debelado este problema de superestimação, os planos para sanear as causas primárias da inflação poderão ter sucesso.
Simulação acima do prazo de crédito igual a prazo zero é equivalente a venda à vista.
O efeito exposto é obviamente bem mais complexo e as implicações bem mais sutis, os meandros desta superestimação bem mais sinuoso e as consequências bem mais obscuras.
Os prazos de crédito não são uniformes, os salários nem sempre aumentam mensalmente, os impostos geram distorções especiais e uma simulação perfeita requer muito mais variáveis do que mostramos neste trabalho.
Mesmo assim, as simulações mostram que uma inflação adicional de somente 3,5% é capaz de gerar uma superestimação de inflação da ordem de 48% no prazo de seis meses.
Mais do que o deficit público e outras causas comumente apontadas como sendo o foco do processo brasileiro.
Uma vez identificado o problema, a solução se torna mais fácil de ser apresentada. Várias são as possibilidades:
A- Calcular os preços pelos valores a vista, trazendo a valor presente os preços do atacado.
Os reajustes de salários não mais seriam efetuados pelos preços do varejo. A justificativa política é de que o consumidor deve colaborar no esforço de combate à inflação, procurando o preço mais barato.
Isto já ocorre na prática, uma dona de casa quando compra um eletrodoméstico, pesquisa onde está mais barato.
A grande disparidade de preço existente no varejo advém do fato de que os preços maiores são normalmente os comprados há 26 dias.
Como ambos estão ainda dentro do prazo de crédito do fornecedor, não há necessidade de reajustes por causa da inflação.
Estas remarcações somente ocorrem para os estoques já pagos, e portanto pertencentes ao capital de giro da empresa e não do fornecedor.
B- Conscientizar o varejo a adotar um sistema de “mark-up” sobre o valor presente das compras e não pelos valores nominais constantes nas notas fiscais.
C- Mudar o sistema de cálculos do ICMS e IPI para que incida sobre o valor presente dos preços, pelas mesmas razões expostas acima.
Os índices de preço foram elaborados em épocas diversas das atuais e não é uma questão de afirmar que os índices são mal calculados, nem que a metodologia é causadora da inflação.
Muitos índices adotam os preços no varejo, que teoricamente não deveriam embutir valores a prazo.
O varejo não possui sistemas de contabilidade de custos a valor presente, nem comumente adota “mark-ups” sobre o valor da nota de compra.
É desta forma que os preços a varejo acabam captando o valor a prazo de crédito.
O importante é calcular os índices que captem a inflação real, e não achar culpados pelas distorções que a própria inflação causa no sistema econômico brasileiro.
A grande resistência da escola nominalista é ter que reconhecer que por 200 anos eles usaram o termômetro errado para medir a inflação.
Diagnosticaram febre quando muitas vezes o paciente estava com temperatura normal, e deram uma série de remédios econômicos desnecessários e que resultaram sem dúvida em vidas humanas e sofrimento humano desnecessário.
Os nominalistas jamais admitirão seus erros do passado, por isto teremos de esperar que toda esta geração seja substituída pela nova geração de economistas, que sabem manejar uma planilha econômica, que entendem de finanças, que são realistas na sua visão de mundo, galgarem os postos do poder e modificarem a forma de calcular os índices e de contabilizar os dados econômicos brasileiros.
Artigo escrito em 1986.
Link para download do Modelo Excel: Superestimação da Inflação