Em Terra de Cego

Nenhum ditado popular explica tão bem os problemas do Brasil e do mundo como “Em terra de cego quem tem um olho é rei”.

Ele mostra por que existe tanta gente incompetente dirigindo nossas empresas e nossas instituições.

Mostra também por que é tão fácil chegar ao topo da pirâmide social sem muita visão ou competência.

Basta ter um mínimo de conhecimento para sair pontificando soluções.

Todo mundo palpita em economia e futebol como se fosse Ph.D. no assunto.

Se nossos técnicos de futebol tivessem ouvido os palpiteiros, jamais seríamos pentacampeões mundiais de futebol.

Por isso temos tantos acadêmicos para lá de arrogantes, que se acham predestinados a dirigir nossa vida com muita teoria e pouca informação.

Existe um corolário desse ditado que me preocupa por suas consequências.

“Em terra de cego, quem tem um olho é rei, e quem tem dois olhos é muito malvisto.” Indivíduos inteligentes e capazes são encarados como uma enorme ameaça e precisam ser rapidamente eliminados pelos que estão no poder.

Por essa razão, pessoas com mérito e competência dificilmente são promovidas no Brasil.

Promovidos são os bajuladores e puxa-sacos.

Quando aparece alguém com dois olhos, os reizinhos tratam de eliminá-lo, quanto antes melhor.

Já cansei de ver gente competente que, de um momento para o outro, deixou de ser ouvida pela diretoria.

Já vi muito jornalista que, de repente, caiu em desgraça.

Já vi muito jovem comentar algo brilhante na aula e ser duramente criticado pelo professor, sem saber o motivo.

Todos cometeram o erro fatal de mostrar que tinham dois olhos.

Por favor, não deixe que isso aconteça com você.

Se você é dos milhares de brasileiros que possuem dois olhos, tome cuidado.

Em terra de cego, você corre perigo. Nunca mostre a seu chefe, professor ou colega de trabalho os olhos que tem.

Lamento não poder dar nenhum bom conselho, eu sou dos que tem um olho só.

A maioria dos dois-olhos que conheço já desistiu de lutar e optou pelo anonimato.

Quando eles têm uma ideia brilhante, colocam a solução na mesa de seus chefes e deixam que a ideia seja descaradamente roubada.

Eles se fingem de mortos, pois sabem que, se agirem de modo diferente, poderão tornar-se vítimas. Mas há saídas melhores.

Se seu chefe tem um olho só, mude de emprego e procure companhias que valorizem o talento, que tenham critérios de avaliação claros e baseados em meritocracia.

São poucas, mas elas existem e precisam ser prestigiadas.

Ou, então, procure um chefe que tenha dois olhos e grude nele.

Ele é o único que irá entendê-lo.

Ajude-o a formar uma grande equipe. Se ele mudar de empresa, mude com ele.

Seja diferente, procure os melhores chefes para trabalhar, não as melhores companhias.

Normalmente, as grandes empresas já são dominadas por reizinhos de um olho só.

Por isso, considere criar um negócio com outros como você.

Vocês terão sucesso garantido, pois vão concorrer com milhares de executivos e empresários de um olho só.

Nosso erro como nação é justamente não identificar aqueles que enxergam com dois olhos, para poder segui-los pelos caminhos que trilham.

Eles deveriam ser valorizados, e não perseguidos, como o são. O Brasil precisa desesperadamente de gente que pense de forma clara e coerente, gente que observe com os próprios olhos aquilo que está a sua volta, em vez de ler em livros que nem foram escritos neste país.

Se você for um desses, tenha mais coragem e lute.

Junte-se a eles para combater essa mediocridade mundial que está por aí.

Vocês não se encontram sozinhos. Nosso povo tem dois olhos, sim, e é muito mais esperto do que se imagina.

Ele está é sendo enganado há tempos, enganado por gente com um olho só.

Foi-se o tempo de uma elite pensante comandar a massa ignara.

Hoje, a maioria do povo tem acesso à internet e a home pages com mais informação do que essa intelligentsia tinha quando fez seu doutorado.

Se informação é poder, ela não é mais restrita a um pequeno grupo de bem formados.

Nosso povo só precisa acreditar mais em si mesmo e perceber que cegos são os outros, aqueles com um olho só.

Artigo Publicado na Veja, abril de 2003.

Nada mudou.

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Comentários

9 respostas

  1. Caro Kanitz… as vezes tem-se q correr alguns riscos para nao passarmos atestado de burrice. e foi assim q fui dispensado de uma empresa do ramo da midia, com pouco tempo de casa, justamente por ter dois olhos e viver alertando o dono q algo nao ia bem (e ele sentia isso olhando o caixa).
    incrivel é que os que se acercavam do dono mesmo sendo portadores de más noticias, mantinham o controle da situaçao e minha presença apontando falhas e dando sugestoes de melhoria nao servia a seus interesses.
    como me considerava “vendedor de horas” sai pela porta que entrei …. e aos que ficaram dei boa sorte, ate que fechem as portas em definitivo.

  2. Kanitz…

    O Sr. está de parabéns, artigo muito bom. Sempre existiram e sempre vai existir este tipo de pessoa que se o chefe entrar até meia altura na água, essas pessoas se afogam. Quem tem dois olhos e quer o seu próprio crescimento com o dá empresa não está sendo valorizado.

  3. Gostei muito do seu artigo Sr. Kanitzs, eu acho que reflete bem o que vem acontecendo, só abrindo um parênteses no seu texto. Quando o senhor falou “Se informação é poder, ela não é mais restrita a um pequeno grupo de bem formados”, cada dia observo mais informação disponível e muitas possibilidades de se aprofundar em temas que antes só era possível por meio de livros técnicos ou conhecendo as pessoas certas; tenho observado que as pessoas (não digo todas) estão cada dia mais desligadas/menos curiosas e estão aceitando as informações/noticias sem nenhum questionamento!!! E por mais contrastante que pareça, cada dia lêem menos (coisas úteis) e acham que ler livros/informação/curiosidades/aprender coisas novas é uma perca de tempo

  4. · Gostei muito do seu artigo Sr. Kanitzs, eu acho que reflete bem o que vem acontecendo, só abrindo um parênteses no seu texto. Quando o senhor falou “Se informação é poder, ela não é mais restrita a um pequeno grupo de bem formados”, cada dia observo mais informação disponível e muitas possibilidades de se aprofundar em temas que antes só era possível por meio de livros técnicos ou conhecendo as pessoas certas; tenho observado que as pessoas (não digo todas) estão cada dia mais desligadas/menos curiosas e estão aceitando as informações/noticias sem nenhum questionamento!!! E por mais contrastante que pareça, cada dia lêem menos (coisas úteis) e acham que ler livros/informação/curiosidades/aprender coisas novas é uma perca de tempo; E se a pessoa é muito estudiosa ou engajada, é mal vista pelos outros e é apelidada com apelidos depreciativos (como se fosse algo ruim ou que não devesse ser seguido, o ato querer ser o melhor em alguma coisa).

  5. Texto escrito em 2013, e atual em 2020. Me formei em uma faculdade, escrevendo um tema incrível de Psicologia, no TCC. E passei com a menor nota possível, sendo julgado por professores incompetentes.

    Um dia mancharei o nome de todos eles, conforme eu fizer sucesso. Sobretudo de um deles que tinha idade próxima a minha. Esse viverá para me ver tendo mais sucesso do que ele.

  6. Vamos arregimentar esta tropa professor. Temos que mostrar nossas privilegiadas potencialidades
    e possibilidades enquanto povo e nação. Temos que estar bem acima da mesmice midiática cujo
    objetivo é o mais vil entreguíssimo. PATRIA AMADA BRASIL.

  7. Obrigado senhor Stephen por escrever tao lindo e mostrar seus artigos pra as pessoas que acho, temos dois olhos….. abracos dos amigos argentinos

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