Idealismo à Brasileira

Trinta anos atrás, 20% de meus colegas de faculdade, pelo menos os que se achavam mais inteligentes, eram de esquerda.

Queriam mudar o mundo, salvar o Brasil, expulsar o FMI e acabar com a pobreza.

Cabulavam as aulas e viviam no centro acadêmico com pôsteres de Che Guevara discutindo como tomar o poder.

A ideia de ajudar os outros fazendo trabalho voluntário na periferia nem lhes passava pela cabeça.

Dez por cento eram de direita e atazanavam a esquerda, e a impressão que se tinha é que eram dois grupos que brincavam de mocinho e bandido numa versão mais adulta.

O resto era de centro, liberais e libertários, mais preocupados em libertar o Brasil de uma ditadura que em implantar outra, a do proletariado.

Para minha surpresa, quando fiz o mestrado em Harvard, a totalidade de meus colegas era apolítica.

Eles estavam lá para estudar, adquirir conhecimentos, para poder ser úteis à sociedade e talvez ficar ricos.

Por isso estudavam, para meu enorme desespero, vinte horas por dia.

Mas, mesmo com essa carga de estudo, todos faziam trabalho voluntário, um dos requisitos inclusive para a admissão ao mestrado. Já eram voluntários antes de ingressar.

Trinta anos se passaram, e na última reunião quinquenal dos ex alunos de Harvard constatei que todos ficaram ricos como pretendiam; eu a única exceção, Prof. da USP que era.

Agora suficientes ricos, eles devotam boa parte do tempo a causas sociais e doam bilhões ao terceiro setor.

Muitos, já aposentados, gastam 25 horas por semana em conselhos como os da Cruz Vermelha, Endeavour, e assim por diante.

Mesmo eu que não sou rico, pude com pouco dinheiro criar o primeiro site de voluntários, o www.voluntarios.com.br, criar o Prêmio Bem Eficiente para Entidades Beneficentes, que a velha esquerda nunca apoiou, porque eles estavam ocupados tentando se eleger.

A reunião de trinta anos com meus colegas da USP foi ainda mais surpreendente.

O mais engajado na época, o que mais pregava a luta de classes, é hoje diretor de banco.

Seu colega socialista e portanto menos radical, o economista Joao Sayad era o dono do banco.

A maioria dos meus colegas mais inteligentes da época se desculpou dizendo: “Cansei de ajudar os outros” (sic), “estou ficando velho, preciso me preocupar com minha aposentadoria”.

Pior foi ter que ouvir esta frase:

Quem não é de esquerda quando jovem não tem coração, quem continua quando velho perdeu a razão“, desculpa esfarrapada e ofensiva para os velhos como nós que temos ainda coração.

Um dos meus colegas, que virou Ministro tinha sonhos horríveis. “Sonhei que era um velho mendigo, dormindo na sarjeta“.

Pudera, com 50 anos não poupou um centavo de capital, era contra o capital, e com R$ 40.000,00 na Caderneta de Poupança e uma Previdência Social falida, percebeu que seus últimos anos seriam trágicos.

Foi quando decidiu ganhar dinheiro, muito dinheiro, apesar de não saber nada, a não ser como funciona a máquina de governo. No desespero, esqueceu sua ética, vendia favores, precisava acumular R$ 15.000.000,00 o mais rápido possível.

Passaram a vida tramando uma revolução, perderam a chance de se aprimorarem na profissão para ganhar dinheiro legalmente. Mas o pesadelo de “mendigo na sarjeta” é o que os motivavam desesperadamente.

Talvez meus colegas de Harvard não tivessem coração trinta anos atrás, talvez devessem ter sido mais de esquerda, mas tampouco tinham competência para mudar o mundo e acabar com a pobreza.

Faltava-nos na época conhecimento para tocar um botequim, muito menos uma revolução.

Por isto eu prefiro a nossa nova geração. Não são de esquerda nem de direita, nem aguentam mais essa discussão.

Não pretendem mudar o mundo, querem primeiro mudar o bairro, para depois mudar seu Estado e o país. Percebem que aqueles que querem melhorar o mundo só o pioraram.

A nova geração está desencadeando uma revolução de cidadania, usando o cérebro e o coração para o voluntariado, engajando-se no terceiro setor, cada um fazendo sua parte.

Não ficou somente no discurso, partiu direto para a ação.

Em minha opinião, nossa nova geração está com tudo, e deveríamos ficar orgulhosos por não se fazerem mais jovens como antigamente.

 

Artigo Publicado na Revista Veja 12 de Setembro de 2001.

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Comentários

9 respostas

  1. Parabéns….
    O fato é que esquerda e direita. Depois que o PT foi eleito perdeu o sentido. Mensalão e companhia é o que o diga.

  2. Kanitz,
    o artigo está ultrapassado depois que a década de 2000 provou no Brasil e no Mundo que a discussão entre esquerda e direita não está morta. Pelo contrário!
    E enquanto vc estava preocupado em fazer a pequena filantropia, aqueles que queriam “somente se eleger” ajudaram a começar a mudar o Brasil através da única maneira possível: a política com P maísculo.
    Ou não?
    Abc,
    Márcio

  3. Olá Kanitz,
    Li ete artigo em 2001 na Veja e na época me fez pensar muito. Hoje relendo vejo que me ajudou muito.
    Abraços e parabéns,
    Fernando Luchesi

  4. Professor, gosto muito de suas análises, e procuro ler seus artigos sempre que posso, tendo inclusive ficado muito chateado com sua saída da revista Veja. Não tenho competência para tecer comentários analíticos sobre o conteúdo de seus artigos, mas concordo com a maioria de suas argumentações, porque percebo que têm lógica, conhecimento e você é uma pessoa de bons princípios, diferentemente da maioria de nossos políticos e teóricos que usam de seus conhecimentos apenas para nos enrolar e justificar suas maracutaias.
    Apenas gostaria de fazer um comentário sobre a redação dos textos propriamente ditos. Com uma certa frequência alguns parágrafos parecem não ter sido revisados, e algumas frases ficam um pouco desconexas. Por exemplo, neste texto: …20% de meus colegas de faculdade, pelo menos (daqueles ou os 20 % que) se achavam mais inteligentes,…; e no final do texto: Perceberam que aqueles que “queriam” melhorar o mundo só o pioraram. Aqui não só por uma questão de concordância, como também por tornar a frase mais enfática.
    De resto, só elogios ao seu trabalho nas diversas frentes em que atua. Parabéns também por seus textos sobre a família , e o casamento em especial.

  5. Kanitz.
    nao sou americanista mas veja que com apenas oito anos somente a mais de descobrimento o nivel de desenvolvimento deles em relaçao a nos.
    somos fracos de planejamento e na execuçao fazemos mas de forma desordenada.
    o que falta ao brasil é um choque de BRASILIDADE. nosso individualismo exagerado (interesses) determina o status quo que a muito o país vive.

  6. Sem aeroportos, portos, estadios atrasados, nem 30% das obras do Pac terminada, corrupção, aumento da carga tributária, aumento dívida pública, explosão da criminalidade, lanterninha no quesito educação, muitos hospitais continuando sendo a antesala do inferno, inflação voltando.
    Se a classe média e alta dependesse do governo tava $#@$@#. Agora se os pobres estão gostando parabéns ao governo e viva ao crediário.
    Basta uma volta no primeiro mundo, para ver como o país poderia ser.

  7. Em reposta ao Marcio (ou Augusto de carvalho?)
    O que é a politica com “P”? Mensalão? Aeroportos ineficientes? Delubio de volta? etc, etc, etc. Não adianta falar que antes era pior, ser “menos pior não é compração valida e verdadeira, nem honesta.
    Sobra ideologia, falta competência e honestidade.
    Ps. Se estivessemos falando dos governos anteriores, a fala seria a mesma.
    Att,
    Gladistone

  8. A discussão entre direita e esquerda está sepultada a sete palmos. Aquela discussão tradicional do pós guerra, já era.
    A discussão agora é que o capital quando bem administrado, tem por sí só entender que a divisão de renda e o bem estar da população, trazem benefícios maiores, que quantas bolsas quiserem inventar. A venda do seu Manoel só vai bem se tiver freguês, e o freguês tem que ter bom rendimento. A cia de petróleo quer bastante gente com veículos, e assim por diante. Hoje o capitalista mais cruel, vê numa melhor distribuição de renda a continuidade do seu negócio.
    Embora eu brigue com o Kanitz por ele “detestar” economistas como eu por exemplo, é numa boa administração que chegaremos o mais próximo possível do equilíbrio.(menor diferença entre o maior e menor salário)
    Quanto ao termo pequena filantropia, VC está confundindo conhaque de alcatrão com catraca de canhão. O reconhecimento deste tipo de ação por anônimos, tende a mostrar à sociedade a igualdade entre os homens, quando despidos de suas riquesas. E é de maravilhosa Nobreza

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